São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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As águas de cá e de lá

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — A Holanda esteve até a semana passada debaixo d'água, literalmente. Tiveram que ser retiradas de suas casas cerca de 250 mil pessoas, na maior operação do gênero desde a 2ª Guerra Mundial.
Quantas pessoas morreram na Holanda com toda essa tragédia? Três. O contraste com a Grande São Paulo é feroz. Só anteontem, foram 19 os mortos. E olhe que a população holandesa (15,1 milhões) não é substancialmente inferior à da Grande São Paulo.
Teriam os deuses decidido trocar de nacionalidade? Nada disso. O que impediu uma tragédia na Holanda foi, em primeiro lugar, a capacidade de antecipação do sistema de defesa civil.
As pessoas foram evacuadas de suas casas antes que as águas as alcançassem. No Brasil, como se sabe, as autoridades são incapazes até de fazer previsões sobre o passado, o que dirá em relação ao futuro.
Mais: faz uns 50 anos, houve outra inundação, na Holanda, dessas que a mídia sempre acaba chamando de "a inundação do século". O que fizeram as autoridades? O óbvio: obras de contenção, para evitar que os danos se repetissem.
No Brasil, as enchentes nas grandes áreas metropolitanas são um flagelo anual ou, quando os deuses são clementes, bienal ou trienal. Quem se dispuser a olhar os teipes de inundações de anos anteriores, achará as mesmas cenas verificadas agora. Só são mais ou menos graves em função do maior ou menor volume de chuva.
Ou seja, a maior ou menor gravidade depende unicamente da disposição dos deuses, jamais da prevenção dos seres humanos encarregados de governar este país nos últimos decênios (ou seria melhor dizer séculos?).
Até o trânsito na Holanda foi relativamente menos afetado, pela simples razão de que o uso do trem é intensivo e as ferrovias continuaram operando com inconvenientes menores, principalmente se comparados ao caos no trânsito paulistano.
Depois ainda há quem diga que o Brasil não é subdesenvolvido; é apenas injusto. Bobagem. É injusto, sim, mas é subdesenvolvido também.

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