São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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A busca pelo gene gay

MARTIN JOHNSON
DA "NEW SCIENTIST"

Em seu livro "Towards Understanding Relationships" ("Rumo à Compreensão dos Relacionamentos"), Robert Hinde comenta a falta de disposição da ciência reducionista em enfrentar problemas biológicos complexos.
Com isso ele mergulha no estudo dos relacionamentos humanos e sua abordagem é classicamente científica: observe, classifique e descreva, na esperança de traçar hipóteses inteligentes e discriminar experimentalmente.
A sexualidade de um indivíduo constitui um componente importante de muitos relacionamentos, possivelmente de todos.
Portanto, seguindo os critérios de Hinde, compreender a sexualidade humana é um esforço que vale a pena ser feito pela ciência.
Existem poucos estudos da sexualidade humana que poderiam ser descritos como bons, se avaliados pelos critérios de Hinde.
A complexidade e diversidade da sexualidade, que variam segundo a idade, situação e experiência, desanima a ciência.
Os estímulos eróticos incluem não apenas outras pessoas, mas também artigos de roupa ou outros objetos inanimados, partes específicas do corpo, espécies não-humanas, situações específicas e percepções de poder e perigo.
Nenhum desses estímulos necessariamente exclui outros; é possível haver combinações. Nossas reações a esses estímulos também são extremamente individuais.
Esta desconcertante diversidade faz com que seja quase impossível traçar uma estrutura descritiva clara e simples, ponto de partida para a análise científica.
Na verdade, tendo em vista a existência de uma diversidade tão grande, será que é provável que exista um componente genético significativo? Não será mais provável que nossa sexualidade seja socialmente formada?
As dificuldades inerentes ao estudo da sexualidade são expostas em "The Science of Desire: The Search for the Gay Gene and the Biology of Behaviour" ("A Ciência do Desejo: A Busca pelo Gene Gay e a Biologia do Comportamento"), de Dean Hamer e Peter Copeland.
O melhor que se pode dizer do seu título é que ele induz ao engano: o livro fala pouco sobre o desejo, e nenhum "gene gay" foi comprovado ou identificado.
O livro é de leitura fácil e clara. Ele transmite um pouco do caráter fortuito dos avanços científicos. Retrata o cientista como um ser humano, capaz de se emocionar e interessar pelas histórias humanas subjacentes aos dados.
Cientificamente, o livro também serve a um objetivo útil. Ele apresenta os problemas de se determinar se existem bases genéticas de comportamentos complexos, e sugere uma maneira de transpor esses problemas.
Torna claro que essa metodologia depende da redefinição de uma característica complexa em termos muito restritos.
Hamer concentrou-se em estudos familiares de homens gays que assumiam abertamente a condição, muitos dos quais recrutados através de registros de status de anticorpos do HIV ou de dependência de drogas ou álcool.
Quando Hamer descobriu que havia um número significativamente maior de gays identificáveis como tais no lado materno de muitas das famílias, selecionou um subgrupo de famílias que demonstravam esse efeito mais claramente, nas quais havia irmãos gays.
Nessas famílias, ele examinou se o cromossomo X, o único sistematicamente herdado pelos homens de suas mães, poderia conter uma região que é semelhante em cada um dos irmãos, com uma frequência maior do que poderia ser atribuída ao mero acaso —ou seja, uma região geneticamente vinculada a sua identidade gay.
Hamer e seus colegas encontraram uma região que é completamente idêntica para todos os marcadores genéticos examinados, em 33 dos 40 pares de irmãos.
Esta região, a Xq28, se encontrava no braço longo do cromossoma X, e provavelmente contém várias centenas de genes.
É muito provável que um ou mais destes possa influir sobre a identidade sexual deste subgrupo de homens, que Hamer calcula representar entre 5% e 30% de todos os homens gays, seja o que for que esse termo possa significar.
É difícil calcular a influência do suposto gene no interior do subgrupo, mas é provável que exceda os 60%, enquanto a influência restante seria não-genética.
Hamer deixa claro que a influência genética poderia ser indireta, operando com outros genes.
Ou então poderia ser um gene para a força do impulso sexual, que determina o impulso sexual.
Assim, como Hamer explica claramente em seu livro, ele identificou uma região cromossômica que, de alguma maneira que não está definida, influi sobre a identidade sexual e/ou sua expressão, em alguns homens.
Hamer não demonstrou a existência de um gene que influi diretamente sobre o desejo sexual na maioria dos homens e das mulheres, seja como for que eles optarem por classificar seus desejos.
Ele tampouco demonstrou que existe alguma coisa que possa ser chamada de gene gay, gene heterossexual ou sequer um gene que determine a predileção por fetichismo com lingerie. Seu texto afirma menos do que seu título.
Este estudo é um começo. É provavelmente a melhor tentativa de análise genética da sexualidade humana de que dispomos até o momento, fato que indica o quanto ainda nos falta avançar.
Também alimentará a discussão moral sobre as implicações éticas e legais de qualquer possível componente genético da sexualidade.
Quanto mais a ciência e os cientistas puderem contribuir para esta discussão moral, melhor, como já ficou comprovado pelas experiências com fertilização "in vitro" e tecnologias correlatas.
Por tudo isto, Hamer merece ser felicitado e encorajado. E, apesar das dúvidas que senti quando comecei a ler este livro, ao concluí-lo, dei-me conta de que já estava gostando de seu autor. A ciência com rosto humano. É uma boa leitura, e aguardamos com prazer sua continuação.

"The Science of Desire: The Search for the Gay Gene and the Biology of Behavior", por Dean Hamer e Peter Copeland. (Simon & Schuster, 272 páginas, US$ 23). O livro pode ser importado na livraria Cultura (av. Paulista, 2073, São Paulo, tel. (011) 285-4033)

Tradução de Clara Allain

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