São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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O neutrino sobe na balança

PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

Cientistas do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos EUA, divulgaram recentemente aquilo que pode ser a resposta para uma das perguntas que mais intrigam os físicos atualmente.
Eles concluíram que o neutrino, uma das mais abundantes partículas no Universo, tem massa, e ela não não é desprezível. Isso significa que o Universo pode ter muito mais massa do que se calculava.
As observações em um acelerador de partículas —longos corredores usados para promover colisões entre componentes do átomo— foram repetidas em duas longas baterias de testes, que totalizaram cinco meses.
Os cientistas puderam, assim, analisar cuidadosamente quaisquer sinais falsos, que poderiam levar a conclusões incorretas.
"É por isso que nós estamos prontos para falar sobre isso", disse William C. Louis, membro do projeto.
Mesmo assim, a equipe de Los Alamos planeja mais dois anos de trabalhos para eliminar qualquer eventual dúvida sobre o assunto.
A existência ou não da massa do neutrino é um dos grandes mistérios da física moderna.
As conclusões foram descritas em um encontro científico realizado nesta semana em Los Alamos e um relatório formal está sendo preparado para publicação na revista "Physical Review Letters".
Se o experimento do renomado laboratório de Los Alamos for aceito pela comunidade científica, ele explicaria, segundo os pesquisadores, grande parte da chamada "matéria escura", o que os cosmologistas acreditam que "enche" o Universo e impede que as galáxias se afastem muito mais rapidamente do que elas já o fazem.
Isso representaria uma guinada nos estudos que procuram calcular a massa total do Universo.
Por causa de sua incalculável quantidade no cosmo, o fato de terem massa alteraria drasticamente a estimativa de massa total do Universo.
Os neutrinos, mesmo sendo partículas tão esquivas que não podem ser verificadas diretamente, representariam, então, uma massa muito mais abundante e substancial que a matéria ordinária, composta, por exemplo, por planetas, estrelas e galáxias.
Além disso, isso também exigiria que os físicos reexaminassem conceitos há muito tempo aceitos sobre a estrutura subatômica da matéria e sobre as forças que mantêm unidos os átomos.
Pela teoria atualmente aceita, os neutrinos não teriam massa ou, em caso contrário, ela seria tão pequena que poderia ser considerada absolutamente desprezível.
Neutrinos são eletricamente neutros, não interagindo elétrica nem magneticamente com a matéria. Como sua massa é muito pequena, sua atração gravitacional também é desprezível.
Por isso, eles atravessam a Terra praticamente despercebidos, o que torna sua identificação direta tão difícil.
Pelas novas conclusões, a massa do neutrino ficaria entre meio elétron-volt —o menor limite que os atuais detectores podem medir— e cinco elétron-volts.
Para se ter uma idéia do que isso significa, a massa de um único elétron —uma das partículas que compõem o átomo e até agora a que possui a menor massa conhecida— mede mais de 500 mil elétron-volts.
Um elétron-volt é uma medida de energia, usada para medir massas incomensuráveis com as unidades convencionais. Ele equivale à massa de um próton —uma partícula fundamental da matéria— dividido por um bilhão.

Antineutrino
Por mais estranho que possa parecer a princípio, os cientistas de Los Alamos chegaram à conclusão sobre a massa do neutrino através da observação de uma outra partícula, o antineutrino do elétron.
Ela estava em um tanque que fica ao lado do local onde ocorrem as colisões no acelerador. O tanque é cheio com 180 toneladas de óleo de bebê e serve para que os cientistas observem as partículas produzidas pelas colisões.
O problema é que o antineutrino do elétron não deveria estar lá pelo simples fato de que ele não é gerado pelo acelerador de Los Alamos.
A única explicação para sua presença é que ele tenha sido produzido a partir de uma "transmutação" de outro tipo de neutrino, normalmente produzido pelo acelerador. Esse processo é conhecido como "oscilação do neutrino".
Segundo Hywel White, chefe da equipe de pesquisadores responsável pela conclusão, para que ocorra essa mudança, os neutrinos têm que ter massa e têm que "mudar de sabor".
O que os físicos chamam de "mudar de sabor" é justamente o processo em que um neutrino de um tipo passa a outro. Hoje existem três tipos de neutrino conhecidos: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau.
Dessa forma, um neutrino produzido como neutrino do elétron pode, depois de percorrer uma determinada distância, se manifestar como um neutrino de múon, mudando de "sabor".
O neutrino do elétron é o mais comum de todos. Ele aparece nos chamados decaimentos-beta. O nêutron, instável, se desintegra e dá origem a três outras partículas: um próton (seu companheiro de núcleo, com carga positiva), um elétron e um neutrino.

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