São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Raça de palmares

ALZIRA RUFINO

Os 300 anos do fim do Quilombo dos Palmares e da morte de Zumbi merecem uma reflexão histórica, colocando-se o significado do quilombo hoje, Palmares-Brasil.
Zumbi mostra a tua cara, negra! Contra o extermínio de nossas crianças, contra a infindável desova de corpos meninos nos mangues da nossa civilização.
Luiza Mahin, mostra a tua cara, heroína de nossas raízes. Nós temos história, mas não a conhecemos.
Nós somos o povão, somos a galera, somos muitos. Somos os descendentes de Palmares que abrigou negros, brancos, índios e foi livre quando o Brasil não o era ainda.
Estamos na virada do milênio e assistimos, conformistas, às lentas mudanças (históricas/políticas). O poder, a hierarquia, mudam de mãos, mas não de cor.
Raça negra, com um pé na cozinha, sem vale-refeição, faz cultura sem cachê. O Carnaval é a grande ópera do malandro: Nós invadimos sua praia com muito ritmo. Depois do Carnaval, tiramos a fantasia da democracia racial brasileira.
Com muito drible, entramos no ministério: só pra um Pelé! O primeiro, segundo e terceiro escalão mudam de mãos, mas não de cor.
Onde está, três séculos depois, a raça de Palmares?
Já sabemos onde ela não está, a julgar pela composição política dos novos governos estaduais e federal. A falta de respeito político continua, embora a oratória seja politicamente correta.
Teimam em ignorar que não somos minoria, subestimável numérica e politicamente e que as votações expressivas de duas negras, Benedita da Silva e Marina da Silva, para o Senado, mostram os anseios da população negra de estar representada nos espaços do poder no Brasil.
As mulheres e homens negros, uma vez mais, terão que enfrentar a falta de apoio partidário e de recursos financeiros para candidatarem-se nas próximas eleições de 1996, dando voz política aos quilombos de resistência.
Raça negra, mostra a tua cara! Steve Biko, líder sul-africano do Movimento Consciência Negra, escreveu, alguns meses antes de ser assassinado, que para podermos viver é preciso dignidade: "Ou se está vivo e orgulhoso, ou se está morto".
Nós temos história, temos cultura e a incansável arte de sobreviver. Queremos mais: a democracia econômica das três refeições diárias, com casa e dignidade próprias e democracia política onde todas as etnias estejam no poder. Como em Palmares!

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