São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Guerrilheiro ficou amigo de Fangio
DA SUCURSAL DO RIO Arnold Rodriguez tinha 26 anos quando encontrou Juan Manuel Fangio pela primeira vez. Fangio tinha 45 e já era pentacampeão mundial de automobilismo. Rodriguez era um guerrilheiro da revolução cubana e participou do sequestro do piloto.Os dois se encontraram de novo na semana passada, na casa de Fangio em Buenos Aires. O piloto, aos 83 anos, está preso a uma cama por causa de um derrame cerebral. Seu estado piorou depois que soube da morte de Ayrton Senna. Segundo Rodriguez, a única reação de Fangio ao vê-lo foi uma palavra, "Batista" , o ex-ditador cubano, grande temor dos sequestrados e sequestradores de 58. Nesta entrevista, o ex-guerrilheiro, agora também ex-diplomata e executivo do Ministério de Turismo de Cuba, fala sobre o sequestro e de como ele e Fangio se tornaram amigos. Folha - Por que os guerrilheiros decidiram sequestrar Fangio? Arnold Rodriguez - Ele era uma figura muito popular. Seu sequestro divulgaria a guerrilha para o mundo. Ao mesmo tempo, não queríamos que sua presença no GP de Havana favorecesse a ditadura de Batista. E foi isto que aconteceu, todos os jornais do mundo comentaram o caso e pela primeira vez se falou do que acontecia em Cuba. Foi uma operação quase perfeita, porque não há nada perfeito no mundo. Folha - Qual foi sua participação no sequestro? Rodriguez - Eu era o encarregado da propaganda da guerrilha em Havana, conhecia muitos jornalistas. Eu descobri toda a trajetória de Fangio em Cuba. Sabia o que faria, a que horas sairia e até sua comida. Também tive de explicar a ele o motivo do sequestro e participei de sua devolução à embaixada. Folha - E ele entendeu? Rodriguez - Por toda sua atitude durante o sequestro, tenho certeza de que entendeu. Quando foi libertado, disse na entrevista coletiva que, se seu sequestro havia sido por um ideal, estava bem. Folha - Como era o relacionamento de sequestradores e sequestrados? Rodriguez - Nós o tratávamos bem. Ele divulgou uma carta, dizendo que havia recebido um tratamento amigável e nós escrevemos outra, pedindo desculpas ao povo argentino pelo sequestro e explicando os motivos. Depois Fangio foi a Cuba, já em 81, e foi recebido por Fidel. Eu estive em Buenos Aires e ele me levou a sua casa e me conduziu em seu carro pela cidade. Não foi à toa que, ao ser libertado, Fangio nos apresentou na embaixada como seus "amigos, os sequestradores". Folha - Fidel Castro sabia do sequestro? Rodriguez - Castro estava na guerrilha na Sierra Maestra, a mais de 1.000 quilômetros de Havana. Cuba é um país pequeno, mas muito longo. Não havia como perguntar a Fidel. O sequestro foi uma decisão do M-26, comandado por Faustino Peres. Folha - No ambiente do sequestro, era possível esse triângulo amoroso narrado no filme? Rodriguez - É muito difícil saber o que poderia ou não poderia ter acontecido. De meu conhecimento, não posso contar nenhum envolvimento amoroso entre nós, entre sequestradores e sequestrado. Mas onde há homem e mulher tudo pode acontecer. Folha - Vocês nunca tiveram medo de que Fangio de fato morresse e de que o movimento guerrilheiro fosse culpado? Rodriguez - Todo o sequestro foi feito tendo como prioridade a segurança e a preservação da vida de Fangio. Nós o protegíamos, tínhamos muito cuidado, mas o temor nunca está ausente. Nessas situações, é preciso unir a audácia necessária a uma vigilância imprescindível. Folha - Uma última pergunta. O sr. acha que Cuba vai superar as dificuldades do fim do comunismo no Leste Europeu e o bloqueio comercial? Rodriguez - A situação está de fato dramática. Mas creio que vamos superar tudo. O povo cubano é muito criativo. Folha - O sr. ainda se diz comunista? Rodriguez - Comunista? (pára e pensa) Sou um cubano. Texto Anterior: Sequestro político de mito da F-1 vira filme Próximo Texto: Piloto venceu cinco Mundiais Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |