São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Governo prevê inflação maior em março

ONDAS DE CONSUMO
Desde o Plano Real, houve um aumento generalizado no consumo. Ele subiu muito de julho até o início de outubro, deu uma arrefecida, arrancou de novo na época do Natal e foi até meados de janeiro, quando deu uma acalmada.
Mas não voltou para o patamar anterior. Mudou de patamar porque houve ganhos de salários e de rendimentos. O setor informal está consumindo mais por causa dos preços dos serviços. A chamada massa de salários subiu muito. Não tem segredo: subiu a massa salarial, subiu o consumo.

PRODUÇÃO
Você faz a estabilização para melhorar o padrão de vida e não para piorá-lo. O problema é o crescimento muito rápido do consumo. Se ele for rápido demais, a oferta tem uma certa dificuldade para acompanhar. Até agora, a oferta tem se mostrando muito ágil.
A preocupação com o consumo é que a partir de um determinado momento começa a chegar perto do limite da capacidade produtiva. E já está acontecendo isso em vários segmentos, segundo dados de dezembro. Papel e papelão, por exemplo, onde está se trabalhando com 99% da capacidade. Celulose estava em 99%, material plástico para uso industrial em 98%, papel para impressão era 96%, produtos metalúrgicos para uso doméstico, com 95%, papel, papelão e artefatos estava em 94%.
O setor de embalagens está com capacidade produtiva muito elevada. A indústria automobilística estava com 94%. Em alguns setores como alimentação, por exemplo, há espaço para crescer o consumo.

MERCADO INFORMAL
O rendimento do pessoal sem carteira assinada também subiu uma barbaridade. O rendimento dos empregados por conta própria estava, em novembro de 1994, 16% acima de julho e 25% acima de novembro do ano anterior. O rendimento dos trabalhadores no comércio sem carteira assinada em novembro era 13,7% maior que julho e 16% acima do mesmo mês de 1993.

MEDIDAS ANTICONSUMO
Reconhecemos que, na segunda quinzena de janeiro, o consumo deu uma certa acalmada. Foi o caso dos veículos usados, alimentação e confecções. Ainda está aquecido entre os produtos de linha branca (geladeiras e fogões, por exemplo). Está num nível relativamente elevado.
Não houve crescimento explosivo até agora. Estamos monitorando e olhando com bastante atenção. É verdade que ele não pode crescer demais senão pode pressionar a oferta. Não quero levantar nenhuma hipótese porque isso depende da evolução das coisas. O governo tem menos mecanismos do que gostaria.
Pessoalmente, eu acho que a taxa de juros já está num patamar suficientemente elevado. Não temos grandes coisas a fazer, além do que já foi feito e esperamos que amadureçam. Estamos olhando com alguma apreensão e lembrando que não dá para ir com muita sede ao pote porque eventualmente a gente antecipa pressões.

MÊS-CHAVE
Na realidade, eu acho que é o mês de março que vai dar o tom disso. Fevereiro é um mês não rotineiro porque é curto, tem Carnaval e fim de férias. Acho que março é que vai determinar se nós vamos adotar alguma medida.
A pergunta chave é se o consumo vai subir mais. É isso que temos de olhar e março deve ser o melhor indicativo. Podemos ter pressões adicionais do lado da renda e daí elevar o consumo. E a gente vai ter uma alta sazonal na taxa de inflação a partir de março.
Hoje, nós estamos no melhor momento sazonal da inflação. Você combina no primeiro semestre, a partir de março, esses dois movimentos: a alta sazonal da inflação devido a escola, aluguel, a troca de roupa em abril e em maio vamos estar caminhando para entressafra, quando é normal os preços ficarem num patamar mais elevado do que hoje. Por esse lado, é possível que você acumule mais pressões.

DATAS-BASES
Nós não sabemos nas datas-base quanto as empresas já anteciparam e quanto resta para dar. Mas em princípio, é época de aumento real de renda. O elemento chave aí é o tempo. Se for mais distribuído ao longo do tempo, dá mais tempo da oferta se ajustar. Se for muito rápido, vamos ter de correr atrás dessa questão para evitar problemas.
Uma de minhas funções é olhar para frente e não olhar para trás. Mas é ótimo olhar para trás e saber que o aumento de renda foi atendido pela produção. Agora, temos de olhar para frente e para frente é isso aí: o quadro é possivelmente de um novo aumento de renda, da massa salarial e poderá se traduzir num outro degrau de consumo. E essa é a nossa preocupação.

PRESSÕES LOCALIZADAS
Novas medidas anticonsumo dependem da velocidade e de onde está acontecendo. Quais os tipos de produtos em que isso possa acontecer. No caso da alimentação, a safra vai ser excelente e com isso a indústria de alimentação pode aumentar seu volume de produtos.
Por isso, depende de onde pode aumentar o consumo. Se for necessário, evidentemente vamos fazer alguma coisa para ajustar a parte de demanda. Faz parte da gerência do plano de estabilização: administrar pressões localizadas.

TARIFAS DOS ESTADOS
Isso é uma coisa mais da área do Dallari (José Milton Dallari, secretário de Acompanhamento Econômico). Mas certamente estamos atentos e conversando com governadores. Há preocupação com isso devido ao impacto nos índices de inflação. É uma questão que depende muito de negociação porque depende dos custos.
E o que vale para tarifas vale para outros preços e rendas. Vai ter que se reajustar por um sistema onde se olhe para custos, produtividade e não apenas para inflação passada. Nesse sentido, o fato de ter passado um ano não quer dizer nada. Eu conheço o caso de empresas onde o aumento de escala e a racionalização resultaram, seis meses depois do real, em aumento de apenas 5% nos seus custos, incluindo a antecipação de salários.

CÂMBIO
A situação melhorou muito. Tem coisas que estamos trabalhando como a isenção da Cofins/Pis para as matérias-primas e medidas da reforma tributária. É importante também a redução de custo, que se obtém inclusive com o aumento de escala. Mas como o consumo, é preciso esperar um pouquinho e acompanhar.

SUPERÁVIT COMERCIAL
No caso das importações, é preciso sabermos o que é conjuntural e o que veio para ficar. É claro que o patamar de importações é maior do que no passado porque a economia está mais aberta. O que é certo é que precisamos de duas coisas: não podemos ter pressão de demanda e desejamos superávit comercial, não tão alto como no passado, mas que seja expressivo. Mas a abertura é irreversível. É como o consumo: não podemos ter importações demais.

CHOQUE DE OFERTA
Em setembro do ano passado, a equipe econômica ficou muito preocupada com o consumo do final de ano e com medo de faltar produtos, inclusive carros. Por isso, é que foram facilitadas as importações.
Além de estimular a oferta doméstica, foi dado um choque de oferta para evitar pressão de demanda. Todas as medidas adotadas garantiram a oferta de produtos no Natal. Essa estratégia foi ótima. E as pessoas esquecem disso quando fazem a crítica hoje.
E a maior parte dos recuos foi para colocar as coisas no eixo. O caso dos automóveis, por exemplo: tiveram o II (Imposto de Importação) elevado de 20% para 32%, que onde deveriam estar hoje de acordo com o cronograma original.

FIM DA TR AGRÍCOLA
Não há uma definição. Mas estamos estudando essa questão. Certamente a TR será substituída por outro tipo de mecanismo prefixado e repactuado. Nós não podemos ter um sistema que olhe para trás e só fale em reposição do que aconteceu lá atrás. A fórmula de como mudar a TR ainda não está definida.

DESINDEXAÇÃO
Faz parte da lógica do processo de estabilização. O tema está na agenda. A TR é algo que tem de ser substituída por outro mecanismo. A TR já tem uma vantagem de olhar para frente porque é um índice de juros.
Mas a TR como indexador, a TR mais tanto, é um sistema que tem de ser alterado. Ela já é uma repactuação porque sofre alterações. Mas sua mudança é algo complicado. Tem os financiamentos habitacionais e a questão das cadernetas de poupança.
Hoje, já temos a taxa de longo prazo do BNDEs. Muitos financiamentos já estão sendo feitos pela TJLP. Mas ainda não dá para antecipar como vai ser depois da TR porque não está pronto.

PRÓXIMA SAFRA
A próxima safra seguramente terá um mecanismo diferente para reajustar os financiamentos agrícolas. Uma das encomendas que o Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda) me fez foi a de encontrar mecanismos diferentes da TR para financiar a próxima safra agrícola.
Vai ser um sistema mais estável, com regras conhecidas para tranquilizar o agricultor. Temos de ter um sistema de crédito com financiamentos adequados e a um custo razoável.
O sistema novo deve estar em operação em agosto ou setembro. As fontes de financiamento devem ter cada vez mais presença do setor privado e menos do público.
Temos de buscar recursos externos também e evitar retirar recursos diretos do orçamento. O setor privado tem que participar mais da política de armazenamento.

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