São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Sem dogmas

RENATO JANINE RIBEIRO

De palavras como "modernização" se usa e abusa para incutir a idéia de que, a fim de se tornar o Estado ágil e eficiente, é imprescindível privatizar. E com isso se vende a noção de que qualquer discordância é um compromisso com o arcaico, o atraso etc.
Assim se faculta a discussão de alternativas, essencial na democracia. Não existe uma via única para o Estado atender eficazmente a exigências sociais como a da educação, da saúde, da qualidade de vida. Na política, como na vida, não costuma haver "uma única solução". A liberdade, com toda a sua angústia, vem justamente de haver, sempre, rumos divergentes.
Ora, hoje a quase-unanimidade dos empresários e a maioria dos jornais aponta a privatização como condição sine qua non para modernizar o Estado. Evidentemente, com a crise do México esse modelo agora está sob suspeita. Mas o importante não é só criticar um consenso dominante; é formular alternativas.
Há outros meios de melhorar o setor público, sem necessariamente passá-lo à empresa privada. Um deles é o contrato de gestão, pelo qual o poder público fixa metas, aloca recursos e exige desempenho de um órgão —que pode ser um hospital, um instituto de pesquisa ou mesmo uma universidade.
Com o contrato de gestão o órgão ganha agilidade, escapando à sanha burocrática que se concentra nos meios e detalhes, e é cobrado no que importa: a realização de suas metas. Afinal, a falha essencial do Estado brasileiro não é ter perdido o sentido de seus fins? É mais provável um administrador ser punido pelo Tribunal de Contas se for para casa num carro oficial caindo aos pedaços do que se descumprir as metas que são a razão de ser do órgão que dirige.
Sem dúvida, o contrato de gestão implica alguma desregulamentação e uma avaliação constante de resultados. Infelizmente, a esquerda e os sindicatos de servidores públicos resistem muito a esses dois pontos. Mas é essa a condição para manter público o que, sem isso, acabará privatizado. Ou aceitamos que o setor público preste contas e se agilize, ou não teremos por que defendê-lo.
Urge reformar o Estado, inventando novos perfis para ele, sem os dogmas do estatismo e da privatização. Para tanto, porém, a esquerda precisará apresentar alternativas sérias, em vez de defender, apenas, o "status quo".

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