São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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FHC de olho na história

Com seu pronunciamento de quinta-feira passada, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, deixa o seu nhém-nhém-nhém de lado —como ficar se lamentando da sorte com quedas fortuitas de popularidade— e se rende à mais benigna das vaidades: a de agir com um olho na história.
Como ministro, o meio-termo era a maneira mais fácil de não se indispor com ninguém. No pronunciamento, a busca do equilíbrio virou manifestação de afirmação, de confrontação com as abstrações ideológicas presentes na atual discussão política.
Nada de sofisticações, de academicismos ou de esnobismos de scholar. Apenas o exercício salutar —e muito mais difícil— de dizer a verdade com bom senso e objetividade e de criar um conjunto coerente de conceitos a partir de respostas práticas a questões concretas colocadas.
Em relação ao salário mínimo, expôs de maneira pedagógica a necessidade da criação de um ambiente econômico saudável, como precondição essencial para a erradicação da miséria. Portou-se com a mesma honestidade em relação à Previdência.
Sobre a privatização, não se rendeu ao canto de sereia do mercado —firme partidário de um processo rápido e rasteiro de comprar estatais a preço de bananas e revendê-las a peso de ouro.
Nem se deixou engabelar pelo velho nhém-nhém-nhém dos investidores internacionais que, com seu imediatismo, ajudaram a destruir a economia mexicana e a esfrangalhar a argentina.
Quem define privatização é o interesse nacional, sintetizou. Depois que for definido, que tragam seus investimentos. Aí, sim, será um bom negócio para todos —o país e os investidores.
Estabeleceu de maneira exemplar os limites de atuação política, ao analisar o movimento de lobbies estaduais em torno da instalação da nova refinaria da Petrobrás. A posição tem que ser técnica, em torno da análise do retorno dos investimentos, ensinou.
Num momento em que governadores aliados buscam concessões em nome da solidariedade partidária, não deixa de se constituir em manifestação de coragem política afirmar que "decisões, quando tomadas politicamente, acabam significando custo elevado para o país".
Foi a melhor manifestação até agora, de um, ainda, candidato a estadista. Tem muita água para rolar. Mas, com a cautela dos velhos pregoeiros medievais, pode-se dizer que é dia 19 de fevereiro e, até este momento, o presidente está se saindo muitíssimo melhor do que a encomenda.
Que Deus —ou quem quer que o presidente acredite— mantenha-o até o fim do mandato com a lucidez e a determinação manifestada até agora.

Câmara setorial
A maneira autocrática como a ministra Dorothéa Werneck conduziu o processo de mudanças (ou de volta ao leito original) no acordo automotivo está ameaçando implodi-lo.
Em lugar de um acordo em torno de compromissos recíprocos, estourou uma luta autofágica, com cada lado procurando tirar o seu.
Toda a engenharia inicial, para evitar que as câmaras setoriais se transformassem em fóruns de manifestações corporativistas, está desabando. Há a necessidade de uma ação urgente de todos os lados, para evitar o naufrágio de um belo instrumento de política industrial.

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