São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Cidadania, parceria e o governo Fernando Henrique

HERBERT DE SOUZA

A Ação da Cidadania contra Miséria e pela Vida concentrou-se, no seu primeiro ano, no combate à fome. A "campanha da fome" criou e mobilizou comitês e cidadãos descobriram formas concretas e imediatas de participar dessa luta. Muita comida foi distribuída pela sociedade das maneiras mais criativas. Esta dimensão, a da participação da cidadania, ganhou as ruas, os espetáculos de música e teatro, as escolas, os bairros e espalhou solidariedade.
Em outra esfera, a governamental, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) distribuiu milhares de toneladas de alimentos em áreas de emergência. Ação do Estado que só se tornou concreta porque a ação da sociedade empurrou. A Ação da Cidadania nunca pretendeu nem pretende substituir o Estado. Mas é preciso reconhecer que, ao ser empurrado pela sociedade, o Estado tomou iniciativas.
A Ação da Cidadania despertou a sociedade para o drama da fome. Mas a fome ainda não acabou no Brasil e só vai acabar quando a miséria acabar. E é por isso que a Ação da Cidadania entrou no segundo ano trabalhando pela geração de emprego e renda.
O debate foi proposto ao governo e à sociedade. No processo eleitoral, a necessidade de geração de emprego foi assumida como prioridade por todos os candidatos e partidos. Mais uma vez, os comitês encontraram formas de gerar empregos a partir da cidadania. A amplitude do problema não os deixou paralisados. Muitas oportunidades de emprego foram criadas e qualquer oportunidade de trabalho é melhor que nada.
Mas nem o desemprego nem a miséria acabaram no Brasil. Ainda há um longo caminho a percorrer. A Ação da Cidadania entra no terceiro ano pronta para levantar outra questão que está na origem da fome e da miséria: a democratização da terra. Não existe absurdo maior que um país com tanta terra ociosa e concentrada assistir sua população vegetar nas grandes cidades. A terra foi apropriada por uma minoria e precisa ser democratizada para servir como fonte de trabalho, como modo de aumentar a produção e distribuir a riqueza.
Essa é a trajetória da Ação da Cidadania. Levanta grandes temas, mobiliza a sociedade, encontra caminhos concretos, propõe políticas e programas ao governo, empurra o Estado e desperta a sociedade. Por isso, são inócuas as críticas dos que esperam da Ação da Cidadania a solução concreta e imediata de problemas que são resultado de séculos de exclusão e autoritarismo. A solução depende de toda a sociedade e de todo o governo. Nós, da Ação da Cidadania, estamos fazendo a nossa parte.
O governo FHC apresenta uma nova oportunidade para seguir essa luta. O programa e o conselho da Comunidade Solidária constituem os instrumentos básicos da ação governamental na luta contra a fome, expressão da política social do governo. É onde governo e sociedade pretendem atuar em parceria, cada um mantendo identidade própria.
O governo criou uma secretaria-executiva, para a qual foi nomeada a socióloga Anna Peliano, a quem cabe articular as ações do Estado na área social. E o governo criou o Conselho da Comunidade Solidária, que amplia a experiência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Deste conselho, presidido pela professora Ruth Cardoso, participam 21 representantes da sociedade civil. O que se espera de cada um é que, na sua área específica, mobilizem os diversos setores no combate à miséria. Ser conselheiro não é atuar como Estado, não é ser do governo nem funcionário público. É, sim, ser sociedade e empurrar o Estado para onde esta sociedade quer que ele vá.
O principal e grande desafio que o governo tem pela frente será o de ajustar a política econômica à chamada política social. É preciso ter uma política e não duas e em todas as ações governamentais manter a prioridade da luta contra a miséria. Não se pode gerar desemprego pelo lado econômico e gerar frentes de trabalho pelo lado social. O combate à miséria é tarefa de todas as áreas de governo, todos os ministérios, do Planejamento à Previdência, da Fazenda à Educação. O governo Fernando Henrique Cardoso vai se transformar no instrumento político da luta contra miséria no Brasil e isso é ótimo.
Se faltar forças e decisão política, a Ação da Cidadania está pronta a exercer sua pressão sobre o governo até que ele cumpra suas promessas. Em seus comitês, a Ação da Cidadania estará atenta a ação governamental e fazendo a sua parte. Não abandona o combate à fome porque a fome não acabou, nem os projetos de geração de emprego e renda, mas coloca a democratização da terra no centro do debate político este ano. Vamos apostar na parceria como instrumento de mudança do país. E o Brasil não pode mais esperar para eliminar a indigência que desafia a todos nós.

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