São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Privatização divide o governo FHC

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo FHC exibe faces diferentes quando o assunto é privatização. Há setores que defendem uma privatização ampla, incluindo bancos, e rápida, para o governo juntar recursos a serem utilizados em outras reformas. Mas essa idéia esbarra em resistências localizadas em diversos pontos do governo FHC e sua base de apoio.
A cada dia que passa, surgem sinais dessas diferenças. O mais recente vem do Ministério das Comunicações. O ministro Sérgio Motta tem mais certeza sobre o que não quer privatizar, o que indica uma tendência.
Para o ministro, o governo não deve privatizar estoques na área de telecomunicações e energia. Estoque são as estatais já existentes, o capital público instalado.
Essa posição limita a privatização eventual no setor a investimentos em áreas novas. Por exemplo, o governo não vende usinas hidrelétricas, mas permite que empresas privadas construam novas.
Ou ainda, o governo não vende suas companhias telefônicas, mas permite que empresas privadas instalem e operem telefones em determinadas áreas.
Esse tipo de privatização limitada apresenta duas variantes. Pode-se impedir ou permitir a competição entre estatais e privadas.
O governo pode, por exemplo, entregar a companhias privadas a operação de telefones só em áreas não operadas pelas estatais. Mas pode também permitir a empresas privadas operar, por exemplo, telefonia celular nas mesmas cidades em que já trabalham as estatais.
O consumidor paulista teria, assim, a opção de adquirir seu celular na Telesp ou em uma companhia privada. Os sistemas competiriam com seus serviços, sendo obrigatório que uma rede "falasse" com a outra.
Em qualquer caso, porém, esse tipo de privatização prevê a manutenção dos sistemas estatais, até reforçados. Para os defensores da tese, as estatais podem ser empresas corretas, dependendo dos controles e da eficiência da gestão.
O ministro Sérgio Motta ainda não esclareceu se o governo vai ou não permitir competição, mas está convencido de que as telefônicas estatais não estão preparadas. Seriam arrasadas pelas privadas.
É que uma telefônica estatal, sendo dinheiro público, está submetida a controles que emperram a administração. Por exemplo, tem de fazer licitações para qualquer compra e isso faz com que se leve meses entre a decisão de comprar um computador e sua instalação.
Assim, no caso de competição, as estatais precisariam passar por um ajuste e ainda seria necessário mudar toda a legislação de modo a eliminar os controles que as emperram. E estabelecer outros tipos de controle, já que continuariam sendo dinheiro público.
Mas a equipe econômica que implantou o Real, cujo núcleo era formado por Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Gustavo Franco, sempre manifestou opinião muito diferente.
Para essa equipe, a privatização precisa ser mais acelerada e mais ampla. Em seu discurso de posse no Banco Central, Pérsio Arida defendeu a privatização dos bancos oficiais, estaduais ou federais.
Edmar Bacha, hoje presidente do BNDES, sempre sustentou que a privatização ampla deveria ser a primeira das reformas, pois traria recursos para o caixa do governo. E as demais reformas —previdência, saúde, estrutura do Estado— vão custar dinheiro, dizia Bacha.
Por outro lado, essa equipe sempre achou, ao contrário de Motta, que o governo deve privatizar estoques. Aliás, deve vender todas as estatais que puder, isto é, aquelas para as quais haja compradores no mercado.
Por essa teoria, uma estatal certamente pode ser bem gerida. Mas pode também ser mal administrada e destruída por fisiologismo político. E, para impedir isso, é preciso estabelecer uma tal série de controles, que se inviabiliza a eficiência administrativa.
E além do mais, acredita a equipe, nunca será possível controlar de tal modo as estatais que se impeça o uso político. Ou seja, o governo não deveria gastar tempo, energia e dinheiro para tentar consertar suas estatais. Deveria vendê-las e cuidar da ação social e da regulamentação da economia.
É muito diferente do que pensa Motta, o qual, por sua vez, representa ampla tendência no PSDB.

Banespa
Essa divergência está na raiz do debate sobre o Banespa. O governador paulista, Mário Covas, ao se opor à privatização, argumenta: "O banco foi bem no governo Montoro. Pode ser de novo".
Arida concorda. Mas acrescenta que um futuro governo pode de novo destruir o Banespa e fazer outro buraco nas contas públicas. Por isso, nenhum governo estadual deve ter banco, pensa.
Certamente é por causa dessas divergências que o programa de privatização não andou no governo FHC. E esse é um assunto que vai parar inteiro nas mãos do presidente Fernando Henrique Cardoso. É dele a decisão de incluir ou não empresas no programa.

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