São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Pacote anticonsumo expõe dilema do Real

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O pacote anticonsumo baixado semana passada pelo governo expõe um dilema do Plano Real. A queda da inflação levou o brasileiro às compras. Para segurar os preços, o governo vinha recorrendo às importações. Mas a crise mexicana e os sucessivos déficits na balança comercial assustaram a equipe econômica.
Tenta-se novamente o caminho do aperto ao crédito. Mas as novas medidas não devem provocar recessão. Há um sólido consenso em Brasília quanto à ineficácia de algumas das providências adotadas.
Apenas a limitação imposta aos consórcios deve gerar os efeitos desejados pelo governo. O restante do pacote anticonsumo teria efeito mais psicológico do que prático.
Dificilmente se conseguirá, por exemplo, inibir a utilização dos cheques pré-datados. Nas próximas semanas, o governo continuará monitorando o consumo. Se julgar conveniente, baixará novas medidas.
Vista sob uma ótica política, a investida do governo contra o consumidor deve corroer ainda mais a popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso. Há desconforto no Planalto quanto às críticas feitas pelo empresariado.
Diz-se ao redor de FHC que o governo não precisaria pisar no freio se os empresários estivessem suprindo a demanda, aquecida desde a edição do Real. Afirma-se também que, em vez de criticar o governo, o empresariado deveria investir no aumento da produção.
Tributos
O pacote tributário, espécie de coração da reforma constitucional pretendida pelo governo, caminha em marcha lenta. Embora esteja em sua terceira fase, a discussão mal engatinha.
Num primeiro momento, o governo imaginava apenas "desconstitucionalizar" o capítulo tributário da Constituição. Com uma única emenda, rebaixaria os principais pontos da legislação sobre tributos à condição de normas "infraconstitucionais".
Transformadas em legislação ordinária, as regras tributárias poderiam ser alteradas na sequência, pelo voto da maioria simples dos parlamentares -emendas à Constituição exigem quórum de três quintos da Câmara e três quintos do Senado, em dois turnos de votação em cada Casa.
O problema é que parlamentares, governadores e prefeitos reagiram. Argumentaram que a "desconstitucionalização" pura e simples, sem um debate sobre as mudanças urdidas pelo governo, equivaleria à assinatura de um cheque em branco.
Antecipou-se então a segunda fase. Os técnicos começaram a colocar no papel um modelo de reforma. Houve avanços e recuos, consensos e divergências.
Depois de gastar muita saliva, o governo, pressionado por governadores e prefeitos, decidiu recomeçar a discussão. Constituiu-se um grupo técnico, que terá representantes de Estados e municípios.
O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, diz aos amigos que "agora é que se vai conhecer o tamanho da briga". Sob reserva, diz que é preciso ter pressa.
O secretário lembra que há na Constituição o que os técnicos chamam de "princípio da anualidade", que faz com que um imposto criado num ano só possa ser cobrado no ano seguinte. Assim, qualquer mudança aprovada agora não vigora antes de janeiro de 95.
O pacote de mudanças tributárias foi retido pelo Planalto a pedido dos líderes governistas no Congresso. Argumentou-se que o envio imediato causaria tumulto.
Acertou-se com Fernando Henrique que as propostas relativas à Previdência só seguirão para o Congresso depois que forem instaladas as cinco comissões encarregadas de analisar os tópicos referentes à reforma do capítulo da Ordem Econômica.
Nesse intervalo, o governo prepara uma estratégia de esclarecimento. O ministro da Previdência, Reinhold Stephanes, analisa a hipótese de convocar cadeia nacional de rádio e TV para explicar as medidas.
O governo prepara também uma cartilha e um ofício com explicações sobre as mudanças. A cartilha, em linguagem simples, será distribuída à população. O ofício, aos chamados formadores de opinião, incluindo congressistas e jornalistas.
Ordem Econômica
Reunidos nesta semana, os líderes governistas decidiram oferecer a FHC um "presente".
Querem aprovar até dia 20 de abril pelo menos uma emenda do lote já enviado ao Congresso: a que estabelece nova definição para empresa nacional, eliminando as restrições a empresas estrangeiras instaladas no país.
Nesse dia, Fernando Henrique estará nos Estados Unidos. Terá encontro com o presidente Bill Clinton. Os parlamentares acham que, com a primeira votação favorável, o encontro ocorreria numa atmosfera mais favorável.
Petróleo
A quebra do monopólio do petróleo é o ponto sobre o qual os líderes do governo têm maiores dúvidas. Escolheu-se a dedo o deputado que atuará como relator da proposta do Planalto. Trata-se do deputado pefelista Lima Neto.
Ex-presidente da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), ele conduziu o vitorioso processo de privatização da empresa, um dos símbolos do nacionalismo.
Privatista ao extremo, Lima Neto estava decidido a quebrar integralmente o monopólio, eliminando qualquer controle da União. O líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), chamou-o para uma conversa. Disse que, embora a proposta do governo esteja aquém do que quer o PFL, deve ser preservada. Lima Neto assentiu.

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