São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Teotônio Vilela é só parte visível da miséria

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No Brasil, 1.399 cidades oferecem condições de sobrevivência potencialmente piores para crianças de 0 a 6 anos do que Teotônio Vilela, em Alagoas, onde o governo pretende dar início ao trabalho assistencialista do Programa da Comunidade Solidária.
O governo sabe disso. Esta informação consta de relatório feito, no ano passado, pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Não há dúvida de que a estrondosa cifra de 221 mortes para cada 1.000 nascimentos em Teotônio Vilela (média de 1994) é alarmante, mas a cidade é só um emblema que ganhou a mídia e serve ao marketing do social do governo FHC. Por si mesma, claro, justifica um programa emergencial de atendimento à infância.
Sua estrondosa significância, no entanto, corre o risco de ocultar centenas de outros municípios do Brasil em condições estruturais tão ruins ou piores.
O fato de Teotônio Vilela ter virado vedete e atraído a atenção do governo só demonstra a falta de uma política pública de atendimento à infância.
No lançamento do programa da Comunidade Solidária, a secretária-executiva, Anna Maria Peliano, anunciou: "Este é um local que está sendo começado a trabalhar com a nova metodologia do Comunidade Solidária", referindo-se a Teotônio Vilela.
A "nova metodologia" a que se referiu a secretária ainda não está clara.
Sabe-se apenas que o Programa da Comunidade Solidária renega o rótulo de assistencialista, quer ser visto como um programa não-govenamental e pretende fugir da maldição de atender apenas a interesses clientelistas de elites locais. Ou seja, o programa sabe tudo o que não quer ser. Apenas. É pouco.

Critérios
A classificação da Unicef e do IBGE levou em conta os seguintes fatores condicionantes para a sobrevivência das crianças: renda e escolaridade dos pais e situação de saneamento básico do município.
A cidade em pior colocação é Nossa Senhora dos Remédios, no interior do Piauí, também o Estado mais pobre do Brasil. Lá, 94,9% das crianças moram em casas com abastecimento de água inadequado, e 94,8% dos chefes de família ganham menos do que R$ 70,00, o valor do salário mínimo.
Para se ter uma idéia dos brasis extremos, em São Caetano (região do ABC paulista), cidade que obtém a melhor classificação segundo o ranking IBGE-Unicef, apenas 2,9% das crianças vivem em casas cujo chefe de família ganha menos de R$ 70,00.
Em São Caetano, de acordo com um levantamento de 1993, a mortalidade infantil é de 23,67 crianças para cada 1.000 nascimentos. A média para os município nordestinos (dados de 1990) é de 63,3 por 1.000. A mortalidade infantil nos países de Primeiro Mundo fica entre 7 e 10 por 1.000.
Ao ranking Unicef-IBGE não corresponde necessariamente o índice de mortalidade infantil.
Condições de risco, como falta de saneamento e baixa renda familiar, muitas vezes, são compensadas por trabalhos assistencialistas da própria comunidade ou de grupos religiosos, como as pastorais da criança da Igreja Católica.
O aleitamento materno, por exemplo, se garantido até o sexto mês de vida, pode reduzir drasticamente o índice de mortalidade infantil. Mas, aí, o país se depara com outro problema: a falta de informação e de educação básica. De todo modo, o próprio governo admite que o interior do Brasil esconde situações muito mais dramáticas do que Teotônio Vilela.
Tão grande quanto o vazio de governo nestas áreas mais pobres do país é o vazio estatístico. O Brasil não sabe quantas de suas crianças morrem de fome.

Alguns números
Levantamentos do governo indicam que Teotônio Vilela, pelo menos numa análise fria dos números, pode oferecer condições de vida relativamente favoráveis em relação a outras cidades.
Segundo o "Mapa da Fome", do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), publicado em agosto de 93, Teotônio ocupa a posição 78 no ranking da indigência entre 97 municípios do Estado de Alagoas.
O estudo do Ipea considera indigentes as famílias cuja renda corresponde no máximo ao valor de um cesta básica.
Um outro estudo, de dezembro passado, patrocinado pela Unicef e executado pela USP (Universidade de São Paulo) a pedido do governo federal, classificou as cidades de acordo com as condições de risco para desnutrição infantil.
Nesse caso, a posição de Teotônio Vilela também é "favorável": ocupa a posição 46 no ranking de 76 cidades com risco "muito alto" de desnutrição infantil.

LEIA MAIS
Sobre mortalidade infantil à página 1-14

Texto Anterior: Experiência não livra senadores de vexames
Próximo Texto: Assessora admite ação exemplar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.