São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Economistas prevêem o esgotamento do Real

OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A partir da Quarta-Feira de Cinzas o Plano Real entra no nono mês, marcado pelo esgotamento dos instrumentos que, até agora, garantiram seu sucesso.
Há consenso entre os economistas ouvidos pela Folha de que, sozinhos, os pilares do Real —o câmbio sobrevalorizado e o juro elevado— não sustentam mais a política antiinflacionária.
O governo reorienta o plano, contendo importações e tentando desaquecer a demanda. Em março, quando renascerem as pressões inflacionárias, também serão sentidos os efeitos dessas medidas.
Paulo Nogueira Batista Júnior, da FGV, acha que o pacote anticonsumo é o ponto de partida para uma guinada mais profunda na economia. "O governo pode estar preparando o terreno para mexer no câmbio", diz.
Batista explica que é menos arriscado flexibilizar o câmbio com a economia desaquecida porque isso neutralizaria o impacto inflacionário da desvalorização do real.
Os economistas concordam que a crise do México limitou o alcance do câmbio como instrumento antiinflacionário. Para Eduardo Gianetti da Fonseca, da USP, se o câmbio atual não permitir superávit de US$ 5 bilhões será necessária uma desvalorização gradual.
Alberto Furuguem, ex-diretor do Banco Central, tem certeza de que, mantido o real sobrevalorizado, haverá déficit, em que pesem as medidas para estimular exportações e conter importações.
Por isso, sugere ao governo que não interfira no mercado quando a escassez de dólares pressionar o real para baixo. Para ele, esse seria o caminho mais natural de reequilibrar o comércio exterior.
A outra perna do Real —o juro alto— também não aguenta a corrida contra a alta dos preços. Ou aguenta, mas sob pena de colocar em risco o organismo econômico.
O problema é que o governo é devedor. Precisa rolar a dívida pública e quanto mais mantém os juros altos, mais paga.
"É um tiro no próprio pé", diz Antônio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo.
Gianetti da Fonseca arredonda os números para enfatizar a ordem de grandeza do buraco que engole as contas públicas: o governo paga 20% reais ao ano para girar a dívida interna de US$ 55 bilhões enquanto recebe 5% sobre reservas internacionais de US$ 35 bilhões.
"A situação é insustentável", afirma. Gianetti vê um efeito de bola-de-neve, em que os juros aumentam a dívida, que eleva o déficit orçamentário, que é a causa primária da inflação no Brasil.
Para Gianetti, a única solução é reduzir a dívida pública com a receita da privatização. Mas ele não sente firmeza do governo no cumprimento dessa meta.
Os economistas acham que a política antiinflacionária não poderá ser mantida impunemente por muito mais tempo. Quanto tempo?
"Ainda teremos dois ou três meses de lua-de-mel, com economia em expansão e inflação em declínio, mas depois passaremos por um período de muita turbulência", prevê Furuguem.
A instabilidade emergirá do gargalo que será formado pela demanda não atendida pelo aumento da produção —a capacidade de utilização das fábricas já está perto do limite— ou pelas importações.
Para a maioria, o pacote anticonsumo é inócuo. Mesmo quem acredita que a direção das medidas é correta, como Nogueira Batista, duvida de sua suficiência.
Os mais céticos acham que o pacote pode até ser contraproducente. "Como as medidas atingiram principalmente a venda de carros, poderá haver desvio de consumo para bens de menor valor e, aí sim, haveria efeito inflacionário porque a indústria não teria como atender a maior demanda", diz Gil Pace, da consultoria GPC.
Ninguém contesta o resultado positivo do plano, que superou as expectativas mais otimistas. A questão é que, por enquanto, está assentado sobre bases artificiais.
"A estabilização é muito frágil", diz Gianetti da Fonseca. "O sangue, suor e lágrimas do Plano Real ainda estão por vir."
A maioria concorda com o que deve ser feito para dar fôlego ao plano. "Há um consenso de diagnósticos", diz Lacerda.
A fórmula passa pelas reformas a serem negociadas no Congresso Nacional. À observação de que se trata de um processo de médio prazo, os economistas argumentam que a simples sinalização de um Norte traria contribuição imediata.
Enquanto o sinal não é dado, a saída é "administrar as dificuldades do Real", como diz Furuguem, controlando a boca do caixa ou fazendo cortes no Orçamento.
Gianetti acha que esse hiato pode ser preenchido com medidas mais fortes, como o controle dos bancos estaduais. "Estou sentido firmeza no discurso", elogia —ele que há um mês tinha medo de que a intervenção se transformasse num presente aos governadores.

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