São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Proposta italiana pode ser volta ao futuro

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O primeiro-ministro da Itália, Lamberto Dini, propôs na última reunião do G-7 o fortalecimento do FMI. Isto significa, para o "premier" italiano, ampliar simultaneamente a capacidade financeira do Fundo e seu poder de intervenção nos problemas de liquidez mundial e de ajustamento dos balanços de pagamentos.
O apelo de Dini expressa as preocupações européias com a submissão crescente do FMI aos interesses dos Estados Unidos. Essa subserviência atingiu, no episódio do México, as raias do escândalo. Os EUA usaram o Fundo numa ação bilateral, de acordo com seus desígnios, a pretexto de evitar uma crise "globalizada".
O pretexto, aliás, tem boas relações com a verdade. Mas a forma que assumiu a "operação-México" não deixa dúvidas: a permanente tensão entre o interesse nacional americano e seu peso político e econômico nos negócios internacionais está sendo resolvida através de uma "americanização" sem precedentes dos organismos multilaterais e da super-utilização de providências "ad-hoc" e arbitrárias para encaminhar problemas de um sistema monetário e financeiro (!) que faz água.
A conclamação de Dini e de tantos outros pode ser a volta para o futuro.
O FMI e o Banco Mundial foram criados no âmbito das reformas que buscavam constituir um ambiente internacional adequado para o desenvolvimento dos países-membros.
Resumidamente, isto significa estabelecer: 1) um regime de taxas de câmbio, 2) critérios e normas para o provimento de liquidez ao sistema, 3) condições para o "ajustamento" dos desequilíbrios em conta corrente dos países-membros e 4) mecanismos de financiamento a longo prazo destinados à reconstrução e ao desenvolvimento das economias.
Depois da experiência desastrosa dos anos 20 e 30 —câmbio flutuante e tentativas de restabelecer o padrão-ouro—, os reformadores encaminharam suas propostas na direção de um sistema de taxas fixas, mas ajustáveis. O dólar assumiu o papel de moeda-reserva, devendo manter paridade fixa com o ouro (US$ 35 por onça).
Ao FMI caberia supervisionar o respeito às paridades cambiais estabelecidas. Desvalorizações superiores a 10% deveriam ser autorizadas por ele. Os países com déficit em transações correntes poderiam financiar seus desequilíbrios, parte com as reservas acumuladas e parte comprando do Fundo a moeda requerida aos pagamentos.
Os recursos do Fundo seriam formados por cotas adquiridas pelos países-membros, na proporção de sua participação no comércio mundial.
O FMI nasceu com recursos e poderes inferiores aos desejados inicialmente por Keynes (Inglaterra) e Dexter White (EUA) nas negociações entre 1942 e 1944.
O plano inicial de Dexter White, da chamada ala esquerda dos "New Dealers" e investigado após a guerra, previa a constituição de um verdadeiro Banco Internacional e de um Fundo de Estabilização. Juntos, deteriam uma capacidade ampliada de provimento de liquidez ao comércio entre os países-membros e seriam mais flexíveis na determinação das condições de ajustamento dos déficits do balanço de pagamentos.
Isso assustou o "establishiment" americano. Alguns entendiam que esses poderes limitavam seriamente o raio de manobra da política econômica nacional americana. Outros temiam o intervencionismo do Fundo e as supostas tendências "inflacionárias" destes mecanismos de liquidez e de ajustamento.
Keynes propôs a Clearing Union, uma espécie de Banco Central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o Bancor, ao qual estariam referidas as moedas nacionais. Os déficits e superávits dos países corresponderiam a redução e aumentos das contas dos bancos centrais (em Bancor) junto à Clearing Union.
Uma peculiaridade do Plano Keynes era a distribuição mais equitativa do ônus do ajustamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos entre países deficitários e superavitários. Isto significava, na verdade, dentro das condicionalidades estabelecidas, facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários.
O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias nacionais na trajetória do pleno emprego. A proposta também sofreu sérias restrições nos EUA.
O enfraquecimento do Fundo, em relação às idéias originais, significou, na prática, a entrega das funções de regulação de liquidez e de emprestador de última instância ao Federal Reserve.
O sistema monetário e de pagamentos que surgiu do Acordo de Bretton Woods foi menos "internacionalista" do que desejariam os que sonhavam com uma verdadeira "ordem econômica mundial".
O problema do FMI não é nem foi o seu poder excessivo, como continuam imaginando alguns esquedistas nativos, mas sua deplorável submissão ao poder e aos interesses dos EUA.
Por isso as recomendações de política econômica do FMI refletem o desequilíbrio de poder dentro da instituição. Este desequilíbrio determina regras de ajustamento que acabam penalizando duramente as economias deficitárias e devedoras.
Todos se lembram da nossa experiência com o Fundo durante a crise da dívida. A ação do Fundo funcionou muito mais como uma rede de proteção para os bancos privados e provocou graves desequilíbrios internos na economia brasileira. No entanto, durante a febre do sobre-endividamento o Fundo foi impotente para empreender qualquer ação preventiva para impedir a contração endógena do crédito que acabou eclodindo em 1982.
Agora, outra vez: a crise mexicana era mais que previsível. Só os débeis mentais poderiam desconhecer que os movimentos de capital de curto prazo levariam à apreciação do peso e a déficits em transações correntes que somaram, nos últimos três anos, cerca de 100 bilhões de dólares. O Fundo só apareceu para apoiar a decisão americana de socorrer o vizinho.
Keynes, nos seus escritos sobre a Clearing Union, insistia na necessidade de controle do movimento de capitais para preservar a estabilidade das taxas de câmbio e a efetividade das políticas monetárias nacionais.
A idéia central é que não se pode entregar a sorte da moeda nacional e o financiamento das economias aos azares de um mercado de capitais enlouquecido. A menos que o propósito seja a dolarização completa das economias de moeda "fraca" e, de sobra, a abdicação da já debilitada autonomia política nacional.

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