São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Filme italiano satiriza a Operação Mãos Limpas

The Independent
De Londres

ANDREW GUMBEL

É um daqueles filmes que você assiste já esperando o pior. Os cartazes publicitários já deixam antever do que se trata: atores gordos vestindo togas, atrizes seminuas mostrando o quanto seus seios são "prósperos" —é como se diz na Itália— e, mais constrangedor ainda, o horroroso Leslie Nielsen, aquele dos vários Corra que a Polícia Vem Aí, deitado numa banheira romana com o peito de fora, fazendo sua característica expressão de assustado.
Mas "S.P.Q.R.", o mais recente trabalho do duo cômico dos irmãos Vanzina, deve ter algo de especial. Lançado há poucas semanas, o filme já garantiu a terceira maior bilheteria da história do cinema italiano, ultrapassando de longe o apelo popular de um Fellini, Visconti ou De Sica.
Esse sucesso não deve nada aos críticos, que qualificaram o filme de perda de tempo e dinheiro. A explicação está no seu tema: situado numa versão "instantânea" de Roma antiga, o filme se vende como sátira dos escândalos de corrupção da Itália contemporânea.
A trama: um juiz chega à capital, vindo de Milão, e topa com uma trilha de corrupção e subornos que o leva até dois poderosos senadores.
Forças políticas entram em ação para impedi-lo de trazer a sujeira à tona, mas o juiz prossegue, revelando uma teia de subornos.
O juiz do filme se chama Antonio, como o juiz em questão na Itália de hoje, Antonio di Pietro. As iniciais S.P.Q.R. do título representam não apenas "Senatus Populusque Romani", mas também "Sono Porci Questi Romani" —estes romanos são porcos.
"S.P.Q.R." não ganha pontos por qualidade cinematográfica. Parece uma versão "Corra que a Polícia Vem Aí", de "Spartacus", com toques de "Asterix".
Tudo parece clichês e rotina cansada, desde o engarrafamento de carruagens na Via Appia da cena inicial até o desfile de moda de Versacius, passando pelas tiradas constantes sobre a rivalidade entre Roma e Milão e o humor burlesco, de modo geral grosseiro.
Mais sério do que qualquer atentado à arte, porém, é o véu com que "S.P.Q.R." cobre o escândalo italiano de corrupção.
O filme despreza a integridade do juiz Antonio, mostrando-o como desajeitado, suscetível à sedução do luxo e das belas mulheres.
Antonio termina por perdoar seu arquiinimigo, o senador César Atticus, e se junta a ele para combater a eminência parda do Senado, representada por Leslie Nielsen.
Seus esforços dão errado e eles terminam primeiro num campo de trabalhos forçados e depois, como em "Spartacus", pregados em crucifixos ao longo da Via Appia.
A moral da história é que se os juízes estão mancomunados com os políticos, são tão condenáveis quanto eles —argumento frequentemente exposto pelo primeiro-ministro de curta duração Silvio Berlusconi, no ano passado, quando procurava afastar os investigadores criminais de sua trilha.
O aspecto mais deprimente de "S.Q.P.R." é que as platéias parecem concordar com tudo isso. O escritor americano H. L. Mencken disse certa vez que a função da sátira é "afligir os acomodados e levar conforto aos aflitos".
Não se imagina "S.Q.P.R." infundindo grandes temores a Bettino Craxi, o ex-premiê caído em desgraça, que hoje, desde seu exílio auto-imposto na Tunísia, acusa o judiciário de haver sido injusto com ele. Talvez até o faça dar algumas boas gargalhadas.

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