São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Islã faz mulheres de vítimas

SANDRA MACKEY
DO " THE NEW YORK TIMES BOOK REVIEW"

As mulheres muçulmanas fascinam o Ocidente desde que a Europa penetrou o Oriente Médio no século 19 para fins comerciais e turísticos. Ocidentais que retornavam dos primeiros contatos faziam descrições sensacionalistas das muçulmanas, retratando-as como sedutoras veladas.
Hoje elas são frequentemente retratadas como vítimas da repressão islâmica às mulheres. Geraldine Brooks, que passou seis anos no Oriente Médio como correspondente do "Wall Street Journal" e hoje é correspondente do jornal na ONU, evita o sensacionalismo e os estereótipos.
Em "Nine Parts Desire: The Hidden World of Islamic Women" (Nove Partes de Desejo - O Mundo Oculto das Mulheres Islâmicas. Nova York. Anchor Books/Doubleday. 225 págs. US$ 22,95), ela mergulha num mundo complexo, modelado e movido pelo islamismo mas também por aspectos pré-islâmicos.
Ela começa por dissecar o islamismo, observando que a religião forma a camada externa de várias culturas que já existiam muito antes do seu início, no século 7.
No Irã, por exemplo, uma sociedade patriarcal tirânica já estava lá cerca de mil anos antes do islamismo. A mais notória violação das mulheres que se costuma atribuir ao islamismo, a mutilação da genitália feminina, parece haver se originado na África paleolítica, e continua sendo uma prática cultural restrita a grupos específicos no mundo muçulmano.
Um destes habita o oásis Buraimi, nos Emirados Árabes Unidos. Nesse lugar, era costume tradicional, até alguns anos atrás, "retirar cerca de 3 mm do clítoris de todas as meninas de seis anos de idade". Indagadas sobre a razão desta prática, as mulheres de Buraimi não conseguiam explicá-la.
Apesar de quaisquer traços ainda remanescentes de cultura pré-islâmica, todas as sociedades muçulmanas tiraram seus valores e normas fundamentais do islamismo. Esses conceitos morais e os costumes que os acompanham formam uma tradição poderosa, capaz de transformar as mulheres em vítimas, segundo a autora.
No século 20 as sociedades vêm tendo problemas em equilibrar modernização com tradição. Numa tentativa de apegar-se a costumes santificados pelo tempo, as mulheres são sacrificadas às práticas seculares de dominação masculina, ou então usadas como peões no jogo político.
Para ilustrar suas afirmações sobre a interligação entre costumes, religião, tradição e política, Brooks apresenta várias mulheres de diferentes países muçulmanos.
Algumas delas, como a militar dos Emirados Árabes Unidos ou a política curda, estão remodelando a tradição islâmica. Outras, como a bailarina do ventre no Cairo que preferiu deixar de trabalhar a enfrentar a ira dos conservadores religiosos, se curvam à interpretação tradicional do islamismo.
Outras ainda, como a professora de uma escola dirigida por uma organização fundamentalista islâmica em Gaza, encontram no islamismo um meio de rebelar-se contra a autoridade política existente.

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