São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Pela competição social

LUÍS NASSIF

O sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, em artigo recente na imprensa, pôs nos eixos o atual debate privatização versus estatização.
Hoje somos vítimas de monopólios públicos, de empresas estatais contaminadas pela politização e pela falta de respeito aos consumidores —as palavras foram mais ou menos estas. Consumada a privatização e o novo modelo de sociedade, de que instrumentos o cidadão dispõe para obrigar as empresas que irão suceder as atuais estatais a tratá-lo com respeito?
No fundo, o que se está discutindo são os controles institucionais sobre economias abertas e privatizadas —um tema que transcende a economia para se constituir em peça central do próprio sistema democrático.
A melhor defesa de que dispõe o consumidor —e o cidadão— é a criação de ambientes competitivos. Onde há competição, o consumidor é rei.
No Brasil, historicamente, cada grupo que conquistou uma fatia de poder tratou de perpetuar-se, matando qualquer forma de competição. Não se tem competição sequer no jogo político, onde as eleições se dão por exclusão, já que o filtro dos partidos políticos criou uma espécie de reserva de mercado para si.
Por isso, o conceito de competição precisa necessariamente transcender os meros aspectos econômicos e situar-se no espectro social como um todo.

Contra excessos
A grande batalha das modernas democracias de mercado é pela competição social, peça central do equilíbrio democrático. Qualquer excesso de poder é ameaça ao equilíbrio, seja o poder do Executivo, de oligopólios privados, de sindicatos, do Judiciário ou da própria imprensa.
Tem que haver empresas competindo pelo mesmo mercado, sindicatos disputando a mesma base, partidos políticos com flexibilidade para absorver novas demandas e novas lideranças. Tudo para oferecer ao contribuinte-cidadão o direito de opção.
Esse ambiente não se cria por geração espontânea, mas através da institucionalização de uma série de mecanismos de apoio.
No âmbito das empresas, o instrumento de democratização é o incentivo à abertura do capital, à despersonalização do controle acionário e à consolidação de um conjunto de princípios de defesa dos minoritários.
Não parece que a nova Lei das Sociedades Anônimas ou o processo de privatização estejam sendo encaminhados nessa direção. Assim como não há ambiente competitivo nas velhas formas de capitalização de empresas via BNDES —aparato que a equipe econômica parece pretender perpetuar.
Nas relações interempresas, o novo Conselho de Defesa da Economia tem adotado atitudes corajosas contra a formação de oligopólios. Mas carece de tempo e de histórico para se consolidar. Da mesma maneira que a Lei de Defesa do Consumidor tem que se constituir no instrumento máximo de defesa do consumidor contra toda forma de exploração de que seja vítima.
"Insider information"
Um dos pontos essenciais nas modernas democracias —o disciplinamento do acesso de membros do governo a informações privilegiadas— continua amplamente ignorado. Qualquer ponto a mais ou a menos nas taxas de juros oficiais provoca transferências de recursos bilionárias no mercado financeiro. No entanto, a correção pública continua dependendo exclusivamente do caráter e da idoneidade dos homens indicados para o Banco Central. É muito pouco.
Enquanto nos Estados Unidos, Japão, França e Inglaterra a utilização de informações privilegiadas por parte dos governantes tem gerado processos de monta, por aqui há maior preocupação com as pequenas mordomias de governo do que com as grandes manipulações de informação.
Enfim, há uma grande caminhada pela frente, em direção a um modelo democraticamente mais perfeito. Mas há também uma mudança cultural na sociedade brasileira que facilita enormemente essa construção.

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