São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Curta o carnaval que esse pode ser seu último verão

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA FOLHA

Acredite se quiser: eu já adorei Carnaval. Adorava mesmo. De detonar sexta à noite, dormir duas horas, acordar, encher a cara de novo e sair vestido de mulher —coisa de caipira.
Eu ia atrás do trio elétrico mesmo. Claro que a primeira vez que vi um trio elétrico de verdade, no interior da Bahia, caí para trás. Perto do pique da moçada de lá, meu pique de festeiro era de um amadorismo acachapante. Os baianos pulavam a tarde inteira atrás dos trios, jantavam um caldo de mocotó e depois pulavam nos clubes até o sol nascer.
Foi um mês no sertão da Bahia, levando vida de rei. De noite pulava Carnaval. Dia seguinte acordava, piscininha, cervejinha, videogame e tudo lindo. Descobri um monte de coisa naquele verão —inclusive a relação entre Joy Division e frevo elétrico (fiz uma versão de "Love Will Tear Us Apart" que tinha um refrão assim: "O amor, o amor é para gente se amar, meu bem").
Depois aconteceu o que costuma acontecer. A grana mixou, o amor chegou, comecei a trabalhar, uma coisa levou a outra e aqui estou— passando o Carnaval em São Paulo.
E no processo, meu espírito carnavalesco foi sei lá para onde. Para o mesmo lugar que foram o fricote, o Rock In Rio 1, o sexo pré-Aids e meu cabelo comprido: para outra dimensão.
O que não quer dizer que você deva fazer o que eu estou fazendo nestas noites de Carnaval: ficar atirado no sofá, vendo as celulites balançarem e os entrevistadores babarem nos decotes das travecas. Quer dizer que, se eu fosse você, estava me acabando.
Não que a gente só deva alucinar no Carnaval. É que a gente mora em um dos raros lugares no planeta que admira tanto a avacalhação — que inventou um feriado para homenagear o esculacho.
Detonar no Carnaval tem um sabor especial de brasilidade, de elogio ao Brasil, que é bem simpático.
Se você é daqueles que costuma dizer "odeio Carnaval", bom, pode até continuar odiando. Decidir que definitivamente Carnaval é uma coisa cretina e deprimente e que a única medida sensata a se tomar nestes dias de fevereiro é se esconder do mundo é uma atitude perfeitamente defensável e elitismo é bom e eu gosto.
Mas se passou de leve pela sua cabeça a possibilidade de sair de casa hoje à noite, só tenho um conselho: vai firme. Escrevendo isso tudo, me ocorreu uma coisa engraçada. Sabe, acho que aquele verão na Bahia foi o último verão da minha vida. O último verão propriamente dito. O último verão em que fui adolescente.

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