São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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A Previdência Social e a poupança nacional

ROSA MARIA MARQUES; ANDRÉ CEZAR MEDICI

A reforma da Previdência no Brasil tem sido apontada como premente por grande parte dos analistas. O atual ministro da Previdência Social, Reinhold Stephanes, que já ocupou mais de uma vez a referida pasta, tem afirmado que a arrecadação da Previdência em 1995 irá ser integralmente destinada ao pagamento de benefícios, faltando ainda cerca de R$ 2,5 bilhões —os quais serão transferidos do Tesouro— para cobrir, inclusive, o custeio da máquina administrativa do setor.
Ao se declarar dessa forma, o ministro é contrário a qualquer nova pressão de despesa sobre a Previdência, inclusive o aumento do salário mínimo para R$ 100,00.
Para evitar que o déficit potencial se transforme em mais um fantasma no caminho do equilíbrio das contas públicas, várias formas de racionalização da Previdência vêm sendo discutidas. Entre elas, a redução do teto de benefícios para cinco, três ou até um salário mínimo; a introdução de um limite de idade para a aposentadoria por tempo de serviço ou até mesmo a extensão do tempo de contribuição a ser comprovado de 15 para 20 anos.
Todos são unânimes em reconhecer que essas medidas, por mais necessárias que sejam, não irão impactar fortemente os cofres da Previdência no curto prazo. Então, qual seria a real intenção de tanta premência?
O Plano Real tem sido relativamente exitoso na estabilização dos preços e na recuperação dos impostos e contribuições sociais. Nos primeiros 11 meses de 94, a arrecadação de impostos federais foi 7,8% mais elevada do que a do mesmo período do ano anterior. No caso das contribuições sociais, o crescimento foi de 33,7%.
O mesmo não ocorreu com a contribuição à Previdência, cuja arrecadação foi 7,3% menor que a registrada em 1993. Embora a despesa com benefícios tenha caído 3% no mesmo período, a receita de contribuições praticamente empatou com a despesa com benefícios, o que denota que o sistema previdenciário caminha para uma situação de déficit. A queda da inflação provocou a drástica redução das receitas financeiras da Previdência, que de R$ 649 milhões em junho de 1994 caíram para menos de R$ 66 milhões em novembro do mesmo ano.
A situação acima descrita ilustra como a geração de poupança (inclusive pública) esteve lastreada no mecanismo inflacionário antes do Real. O exemplo da Previdência mostra claramente que o saldo financeiro foi construído, a cada mês, com a perda do valor real dos benefícios.
A campanha que levou FHC à Presidência da República não se limitou à promessa de uma estabilização duradoura, mas também ao crescimento econômico. A poupança numa economia estabilizada e com limitações para elevação dos juros é certamente mais difícil do que antes do Real, principalmente para uma população acostumada ao mecanismo fácil da correção monetária. Consequentemente, novas alternativas de formação de poupança devem ser buscadas. Dentre as mais promissoras, responsáveis por boa parte dos investimentos realizados no mundo desenvolvido, estão os fundos de pensão.
Nos países centrais, a formação da poupança através dos fundos de pensão ocorreu num ambiente caracterizado por elevada produtividade, alto grau de formalização do trabalho, aumento de salários reais e baixa concentração de renda.
Criaram-se, assim, as condições estruturais para a formação de um adequado sistema público de seguro social, ao lado de sistemas complementares de fundos de pensão. A poupança acumulada por estes fundos atingia mais de 50% do PIB, ao final dos anos 80, em países como a Inglaterra e os EUA. Contudo, tal sistema complementar nunca foi compulsório por definição. O que garante a adesão, nestes países, é a elevada participação da população com renda média e alta na estrutura distributiva.
A redução do teto de benefícios de dez para cinco ou menos salários mínimos tem sido comemorada como uma alvissareira possibilidade para que um contingente expressivo de trabalhadores formais passe a integrar o rol de participantes dos fundos de pensão. Estariam ingressando nesse mercado cerca de 18,2% dos trabalhadores, os quais respondem por 24% da massa salarial do mercado formal de trabalho. Uma estimativa grosseira mostra que a redução do teto de contribuições para a faixa de cinco salários colocaria, potencialmente, à disposição dos fundos de pensão recursos anuais da ordem de 0,5% do PIB, os quais deixariam de ser recolhidos pela Previdência pública.
No entanto, os baixos níveis de renda das famílias brasileiras não garantem que a opção dos trabalhadores com renda superior a cinco salários mínimos seja aplicar a diferença salarial, acrescida com a redução do teto de contribuição, num fundo complementar de pensão. Boa parte dessa diferença será canalizada para o consumo. Talvez seja por este motivo que existem propostas defendendo a criação de previdência complementar (privada) compulsória, a partir da redução do teto de benefícios. Tal obrigatoriedade fere não apenas os direitos individuais, mas também as próprias convicções liberais dos que acreditam na maior eficiência dos fundos privados de pensão.
Os fundos de pensão, garantidos os direitos democráticos de opção do cidadão, têm como limitação estrutural o baixo valor dos salários, o baixo grau de formalização do trabalho e a alta concentração de renda. Somente através de políticas que revertam este quadro torna-se possível utilizá-los como mecanismos efetivos e poderosos de canalização da poupança em nossa sociedade.

ROSA MARIA MARQUES, 42, economista, é professora do Departamento de Economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e pesquisadora da área de Financiamento da Política Social do Instituto de Economia do Setor Público da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Iesp/Fundap).

ANDRÉ CEZAR MEDICI, 37, economista, é coordenador da área de Financiamento da Política Social do Iesp/Fundap.

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