São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sembene quer superar cinema de denúncia

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A UAGADUGU

O mais famoso cineasta africano, o pioneiro Ousmane Sembene, está este ano no Fespaco como presidente do júri. Senegalês de origem, ele morou durante anos na França, onde trabalhou como marinheiro e em outras profissões bem pouco artísticas.
Tornado escritor, Sembene imediatamente se notabilizou internacionalmente, tendo suas obras traduzidas em dezenas de línguas, inclusive português.
Evidentemente, não foram pequenas as barreiras, sobretudo no campo da distribuição, dominada ainda pelos antigos colonizadores. Mas isso não impediu a enorme repercussão de seus filmes que, a partir dos anos 60, se configuraram como marco inaugural do cinema africano.
Sembene esteve também ligado à fundação do Fespaco, em 1969. No início, lembra ele, "os filmes eram projetados gratuitamente em bairros populares. O povo nos acolheu. As autoridades eram também muito favoráveis. No plano político, porém, houve problemas com a França. Eles quiseram penalizar o povo, aumentando o preço dos ingressos".
Segundo explica o diretor, os distribuidores estrangeiros resolveram boicotar as salas de Burkina Fasso, mas a luta dos cineastas foi afinal vitoriosa.
"Diretores vindos de toda parte nos trouxeram seus filmes. Jacques Perrin, que é meu produtor, trouxe 'Z'. Todos os grandes jornalistas e críticos de cinema do mundo estavam lá. Foi uma verdadeira solidariedade africana e internacional. Assim, conseguimos resistir e tomamos a decisão de transformar Uagadugu na capital do cinema africano", afirma.
Mas Sembene tem também consciência de que o discurso político, enfático naquele tempo, hoje tem que mudar. O cinema de denúncia não faz mais sentido como antigamente, mesmo na África.
"A maior parte do cinema africano denuncia e acusa. Isso se deve à cólera dos cineastas ou ao desejo irresistível de mudar as coisas? São sem dúvida essas denúncias constantes que afastam de nós parte dos espectadores. Não se pode fazer filmes de guerra o tempo todo. Quando falamos de casamento, na maioria das vezes trata-se antes do dote do que do sentimento entre duas pessoas. Atualmente, os mais belos filmes que se pode fazer são os de amor."

Texto Anterior: Secretaria muda para atrair empresas
Próximo Texto: Documentário serve de entrada na Ciência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.