São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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A farra dos dinossauros ou os gigolôs da viúva

ROBERTO CAMPOS

Gastando mais do que pagam ao Tesouro, as estatais se especializam em empulhar o público

"Precisamos amar o Estado, disse o jurista suíço". "O quê, respondeu o filósofo alemão Karl Jaspers, o monstro deseja também ser amado?"

Os neolíticos —Lula, Brizola, Barbosa Lima— costumam dizer que o governo não deve vender as grandes estatais "rentáveis" —Valessauro, Eletrossauro, Petrossauro e Telessauro. Obviamente, nunca se deram ao esporte da aritmética de balanços. Se o fizessem, chegaram às seguintes conclusões:
1 - Não há estatais "rentáveis" para o Tesouro Nacional. Elas só são rentáveis para os funcionários que as tripulam e os políticos que as manipulam. Dados da Sest e uma análise do balanço dos quatro maiores dinossauros, para o período 1990/93, revelam o seguinte:
Os dividendos pagos à velha viúva —a União— representam, em média, apenas 1,08% ao ano; se algum gerente privado apresentasse tais resultados, seria demitido na hora. Na realidade, se deduzidos os aportes da União no período, a rentabilidade dos dinossauros se tornaria negativa, em 6,8% ao ano. (ver tabela 1).
Além disso, os dinossauros tinham dívidas de impostos e contribuições sociais no valor médio de US$ 1,2 bilhão, ou seja, 45 vezes mais que a média dos dividendos pagos ao Tesouro; empresas privadas que praticassem esbórnias da espécie estariam há muito tempo sob execução judicial.
2 - No período 1990-92 (último ano para o qual obtivemos os dados previdenciários), as doações dos quatro dinossauros às suas entidades de previdência privada totalizaram US$ 1,9 bilhão, ou seja, 6,2 vezes mais que os dividendos pagos ao Tesouro; isso demonstra que as estatais trabalham muito mais para os seus funcionários do que para a nação que as financia.
3 - A diferença entre os dividendos recebidos em 1990-92 e os aportes concedidos e dívidas honradas pelo Tesouro indicam que a União teve de pagar US$ 1,8 bilhão pela simples honra de ser proprietária de estatais. Considerando-se que o governo tem de levantar dinheiro no mercado para rolar sua dívida a taxas reais de 20% a 25% ao ano, percebe-se que as estatais, longe de serem um motor de crescimento, são uma forma de suicídio econômico. É por causa disso que pagamos uma barbaridade de taxas de juros e que todo o setor produtivo —a agricultura, a indústria, a construção civil e o comércio— são sacrificados. É por isso que grande parte do orçamento é gasta para rolar o endividamento do governo. É por isso que sacrificamos educação, saúde, cultura e investimentos em infra-estrutura!
O menos debochado dos dinossauros é a Valessauro, que opera em ambiente competitivo. Mesmo assim, entre 1990/93 pagou sobre o capital do Tesouro dividendos médios de 4,16% ao ano que, se deduzidos os aportes da União, caem para 1,01% ao ano. A Petrossauro remunerou o capital da União no mesmo período em 0,79% ao ano, ou seja, usou gratuitamente do capital do contribuinte.
Gastando em propaganda muito mais dinheiro do que pagam ao Tesouro (o que é algo exótico no caso de monopólios que têm consumidores cativos), as estatais se especializam em empulhar o público. A Petrossauro diz que seus investimentos (pouco mais de US$ 2 bilhões por ano) são financiados "com recursos próprios". Na realidade, quase tudo que ela investe representa renúncia fiscal do Tesouro e dos Estados, dinheiro que poderia ser destinado ao pagamento da dívida social. Se operasse aos custos internacionais, em ambiente competitivo, teria de pagar, sobre uma produção de 750 mil barris/dia (ao preço de US$ 17,02 por barril), impostos e taxas que na Inglaterra montariam a US$ 2,6 bilhões, na Noruega a US$ 2,4 bilhões, no Egito US$ 2,8 bilhões e na Colômbia US$ 1,6 bilhões. No Brasil, não paga taxa de exploração nem Imposto de Renda e tanto os "royalties" estaduais como os dividendos da União são meramente simbólicos. No período 1990/93, pagou, em média, dividendos de US$ 19 milhões, mas deixou de pagar US$ 1,208 milhões de impostos e contribuições. Contribuiu, sim, generosamente, para o fundo de pensão —Petros— ao qual doou em 1992 (último ano para o qual há dados disponíveis) US$ 239 milhões, ou seja, dez vezes mais que o pífio dividendo de US$ 24 milhões pago nesse ano ao Tesouro.
Dir-se-á que, se os dinossauros são gigolôs da União e não contribuintes suculentos, constituem um enorme patrimônio. Isso é verdade, mas esse patrimônio só será realizável quando os dinossauros forem privatizados, caso em que o país se beneficiaria de várias formas: a) auferiria caixa com a venda das empresas; b) livrar-se-ia do endividamento, transferindo-o para os particulares; c) passaria a ter lucros pela cobrança do Imposto de Renda; d) haveria maior capacidade de investimentos e, portanto, de geração de empregos.
O complexo Telessauro-Embratelssauro presta-nos péssimos serviços e é fonte de sustos bursáteis. Além do "efeito tequila" e do "efeito tango", nossas Bolsas de Valores passaram a sofrer do efeito "teleMotta", provocado por ambíguas declarações do ministro das Comunicações. A última versão é que a flexibilização do monopólio se faria pela privatização das telefônicas regionais, sendo mantidos os dinossauros Telebrás e Embratel, com a função de "regular" os mercados. É difícil conceber-se despautério maior. Essas entidades têm cultura monopolística e não competitiva, sendo inadaptadas para a tarefa de regulamentação da concorrência. As entidades regulatórias nos dois países que melhor desenvolveram essa tecnologia —Estados Unidos e a Inglaterra— são intersetoriais, com representação de variados interesses, inclusive o dos usuários.
No caso brasileiro, essas duas empresas devem ser privatizadas enquanto ainda valem alguma coisa. Ambas sofrerão explosiva concorrência resultante da revolução telemática. Estima-se que nos Estados Unidos, até o ano 2000, possam concorrer na transmissão de voz vários transportadores, como empresas de televisão a cabo, operadoras de gasodutos, companhias de eletricidade e administradoras de auto-estradas, graças ao enorme barateamento e facilidade de implantação de fibras óticas. Isso sem falar na telefonia sem fios, através de satélites e de celulares digitais de nova geração (TDMA e CDMA) e das redes de comunicação pessoal (PCS), que substituem instalações locais a um quinto do custo.
Esperemos que a desconstitucionalização dos monopólios ponham fim à farra gerencial dos dinossauros, liberando recursos para que o Estado se dedique às suas funções sociais. Os interessados em numerotagem poderão examinar o quadro acima. São dados que podem ser brandidos por Fernando Henrique na televisão, quando começar o nhenhenhém dos corporativistas...
O público perceberá logo que, ao invés de motores do crescimento, as estatais se transformaram em gigolôs da viúva —a União. Só que a viúva está falida...

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