São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Câmbio já preocupa mais que a inflação

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O principal problema de política econômica hoje não é a inflação, mas o comércio externo e a taxa de câmbio real/dólar. Economistas dentro e fora do governo concordam que a inflação segue baixa, na faixa de 1,5% ao mês, ou 20% ao ano. Já o comércio externo é fonte de completa divergência.
O governo espera um superávit de US$ 5 bilhões neste ano. E a partir daí estima um fechamento tranquilo das contas externas. Mas fora do governo, a ampla maioria de economistas e consultores acha que não se conseguirá aquele superávit se o dólar continuar barato e a economia muito aquecida.
Para que a aposta do governo esteja correta, é preciso que ocorra um déficit muito pequeno ou equilíbrio em fevereiro e superávit em março. Se isso não acontecer, como tem dito o consultor Mailson da Nóbrega, o governo terá perdido a batalha e precisará fazer alguma mudança na política.
O cenário externo da economia brasileira estava tranquilo até o final de 94, quando aconteceram duas complicações, combinadas: a crise mexicana e o forte crescimento das importações brasileiros.
O crescimento das importações foi deliberado. A equipe econômica estimulou isso para evitar a alta de preços no Natal.
Com isso, entretanto, a balança comercial, que vinha dando superávits seguidos, passou para o déficit, de US$ 492 milhões em novembro e alarmantes US$ 884 milhões em dezembro.
A coisa se tornou mais explosiva porque combinou com a crise mexicana, que provocou uma fuga geral do capital estrangeiro da América Latina. O país começou a perder reservas pelos dois lados, no comercial e no movimento de capitais.
O governo reagiu: primeiro estimulou as exportações, reduzindo custos dos exportadores e restabelecendo vantagens financeiras para quem fechasse negócio e internalizasse dólares antecipadamente.
Em segundo lugar, encareceu as importações. Aumentou o imposto para automóveis e eliminou o sistema de importações pelo Correio que eram quase sem impostos.
Finalmente, o governo aplicou medidas de contenção do consumo, basicamente restringindo mais as compras a crédito de automóveis, nacionais ou importados.
Esse conjunto, para a equipe econômica, dispensa a desvalorização do real, que é a principal reivindicação de exportadores e da indústria local. Com a desvalorização, os exportadores querem receber mais reais pelos dólares que recebem e os industriais querem que seja mais caro preço dos importados com os quais competem.
Para o governo, a política funciona sem a desvalorização. Em janeiro, ainda houve déficit comercial de US$ 290 milhões.
Mas o que mais anima o governo é o movimento financeiro que registra antecipações de exportações. Em janeiro, os exportadores trouxeram ao país e venderam ao BC US$ 3,97 bilhões e, em fevereiro, mais US$ 4,461 bilhões.
São negócios feitos por conta de exportações a serem embarcadas de um a seis meses. Os exportadores trocam dólares por reais para fazer aplicações financeiras aqui.
Considerando apenas o ingresso de dólares no câmbio comercial, o BC registrou expressivos US$ 8,4 bilhões, em janeiro e fevereiro. Outro dado importante para o governo é que as saídas de investimento estrangeiro têm sido cada vez menores.
Na chamada "balança comercial física" (exportações e importações efetivamente embarcadas e desembarcadas), o resultado é bem menor. Mas o saldo financeiro antecipa a "balança física" e por isso o governo espera equilíbrio em fevereiro e o superávit em março.

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