São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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Retrospectiva lembra 65 anos da Cinédia

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Só três estúdios deixaram sua marca na história do cinema brasileiro: a Cinédia, a Atlântida e a Vera Cruz. Na semana passada, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio prestou homenagem as chanchadas da Atlântida. Chegou a vez da pioneira Cinédia, objeto de uma minirretrospectiva com 16 filmes —apenas um quarto do que ela produziu, ajudou a produzir e distribuiu, sob o comando de Adhemar Gonzaga, entre 1901 - 1978).
Sua reputacão não seria menor se só tivesse em seu histórico quatro filmes: "Limite" (1930), "Ganga Bruta" (1933), "Alô, Alô, Carnaval" (1936) e "O Ébrio" (1946). Os dois primeiros entram em quase todas as listas dos "melhores filmes brasileiros", o terceiro abriu as telas ao rádio e à música popular, e o quarto talvez tenha sido o maior sucesso de público do nosso cinema. Dos citados, apenas "Limite" ficou de fora da programação.
Desprezando a ordem cronológica, a mostra se inicia com a mais incensada criação de Humberto Mauro (1897-1983). "Ganga Bruta" é um melodrama passional com forte influência de Griffith, King Vidor e, como parecia inevitável na época, do Murnau de "Aurora". O lirismo de várias imagens provinciais o redime de certas ingenuidades simbólicas, hoje risíveis.
Seu argumento traz a assinatura de uma figura importante para a evolucão não só do cinema, mas também (e sobretudo) do rádio, no país: Octavio Gabus Mendes. Morto em 1946, com apenas 40 anos, Mendes começou como crítico de cinema e ainda faria na Cinédia uma adaptação modernizante de "Senhora", de José de Alencar, intitulada "Onde a Terra Acaba", a pedido de Carmen Santos (1904-1952), e dirigiria "Mulher", com Humberto Mauro cuidando da fotografia. O peso de suas idéias nos filmes em que colaborou é assunto ainda à espera de um pesquisador.
Precariamente sonorizado para a estréia, com discos reproduzindo trechos de diálogos e comentários musicais, "Mulher", restaurado em 1977, se destaca mais pelo uso de alguns locais da zona sul carioca que ou se modificaram (a avenida Vieira Souto, em Ipanema) ou desapareceram (a antiga embaixada da França no Flamengo) do que por suas virtudes cinematográficas. Suas cenas de favela, infelizmente, foram todas cortadas, e depois destruídas, por pressão dos exibidores, que não queriam nenhuma imagem pejorativa da cidade na tela.
A mais antiga produção da Cinédia, "Lábios Sem Beijos", dirigida por Mauro, tem hoje valor essencialmente arqueológico. Uma primeira versão, iniciada um ano antes, com Gonzaga na direção, teve de ser interrompida por causa de um acidente sofrido por Carmen Santos, substituída na versão definitiva por Lelita Rosa.
Carmen, Lelita, Dea Selva, Carmen Violeta. A Cinédia tentou montar em seus domínios um "star system" à maneira americana, contando com a colaboração da revista "Cinearte", dirigida por Gonzaga. Sua estrela de maior brilho, no entanto, acabou sendo uma parisiense acariocada, Gilda de Abreu (1904-1979), protagonista de "Bonequinha de Seda", de Oduvaldo Vianna. Não teve menor sorte atrás das câmeras, dirigindo o bailado final de "Bonequinha de Seda" e seu marido, o cantor Vicente Celestino, em "O Ébrio", um dos mais desbragados melodramas sobre a decadência humana já cometidos neste hemisfério. Ao contrário de Gabus Mendes, Gilda já mereceu um estudo parcialmente a seu respeito: "As Musas da Matinê", de Elice Munerato e Maria Helena Darcy de Oliveira.
O prolífico, mas lambão Luiz (Lulu) de Barros (1893-1981) ao menos nos deixou suas memórias. Foi quem mais dirigiu na Cinédia, chegando até a auxiliar Orson Welles em "It's All True". A chanchada era a sua seara. Seus filmes, com esporádicos lampejos de argumento, mas de feitura canhestra, valem o que valem seus intérpretes: Procópio Ferreira em "Berlim na Batucada", Dercy Gonçalves e Walter D'Ávila em "Caídos do Céu" e Mesquitinha em "Maridinho de Luxo". Lulu se comparava, em produtividade, a John Ford. Em qualidade, talvez tenha sido o nosso Ed Wood.
Já Moacyr Fenelon (1903- 1953) nem memórias deixou. Pena, pois tinha muitas histórias a contar. Foi um dos fundadores da Atlântida, de onde saiu em 1948, para a Cinédia e aventuras independentes. Ambicioso, deu ao melodrama ("Obrigado, Doutor") e ao musical ("Poeira de Estrelas") uma certa nobreza. Mas era sério demais para aqueles gêneros. Um palhaço com alma de arlequim.

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