São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Quadro novo

JANIO DE FREITAS

Não são necessárias grandes análises técnicas para perceber que há um quadro completamente novo. E não por decorrência propriamente econômico-financeira da pequena desvalorização do real, mas pela exploração dela como pretexto para aumentos descriteriosos de preços e, com eles, da inflação.
O avanço dos preços entre o lançamento da URV e a introdução do real deu-lhes larga margem para absorver, mesmo no caso de produtos diretamente condicionados pelo valor do dólar, os modestos 2,8% acrescidos a este valor na segunda-feira. Àquele avanço dos preços, acrescente-se o aumento da produtividade, que tem permitido à indústria produzir mais com o mesmo custo. Os balanços do segundo semestre de 93 e os indicadores deste começo de ano documentam a largueza da margem de lucros para absorver, sem problemas, algum aumento de custo e assim manter a inflação em nível baixo.
Desde a desvalorização do real, porém, o que mais se ouve de empresários, quando entrevistados sobre a medida, é o seu alegado efeito sobre os preços. E o governo não se mostra preparado para enfrentar, de verdade, este anunciado retorno ao hábito empresarial de utilizar qualquer pretexto, por mais insustentável que seja, para fazer aumentos. É da natureza do Plano Real a liberdade de preços. É da natureza dos mentores do plano não incomodar o grande empresariado, ou seja, os tradicionais puxadores dos preços. É sugestivo e chega a ser engraçado, neste sentido, o nome dado à secretaria da Fazenda incumbida dos preços: Secretaria de Acompanhamento de Preços. É tudo, mesmo, que o secretário José Milton Dallari faz: acompanha os aumentos.
O próprio presidente não fica atrás. Quando a indústria automobilística falou em aumento, lá de Foz do Iguaçu ele trovejou: "Não vai haver aumento nenhum". No mesmo dia a GM aumentou seus preços em 9%. Em menos de 48 horas, todos os carros estavam com os preços aumentados. E nada aconteceu —se é que o presidente já digeriu a frase valente que pronunciou.
É ilusório supor que só os produtos que utilizem matéria-prima importada aumentariam seus preços em função do maior valor do dólar. Grande número desses produtos tem influência nos preços dos demais. É o caso, para dar o exemplo definitivo, dos combustíveis. E, além disso, os meses de inflação baixa não foram suficientes para esvaziar a verdade brasileira de que aumento puxa aumento, não importando a inexistência de relação entre os custos dos produtos.
Já era esperado para março algum crescimento da inflação —o qual, aliás, começou a se mostrar já em fevereiro. Com o pretexto da desvalorização do real, a estimativa ruim para março está superada por outra pior. O Plano Real passa a depender de que o governo depressa se mostre menos pior. Do que as estimativas inflacionárias e do que tem sido.

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