São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Índice do custo de morte

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Faço hoje uma proposta que, admito, parece maluca: um novo índice científico para avaliar o desempenho dos governantes. Existe, por exemplo, o índice do custo de vida que costuma decepar cabeças de ministros. Proponho o índice do custo de morte. Explico.
Tive essa idéia na tarde de sexta-feira, quando comecei a ler um dossiê, concluído horas antes, pelo governo federal —poucas leituras poderiam provocar tanta irritação contra presidentes, governadores, deputados, senadores ou prefeitos.
Através de números coletados pelo Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, o dossiê detalha como se joga estupidamente fora dinheiro contra a seca do Nordeste —dinheiro vital para evitar que famílias sejam expulsas de suas terras e mendiguem nas cidades. Muitos deles acabam na prisão, vítimas de policiais ou grupos de extermínio.
Nos últimos 16 anos, foram drenados R$ 408 milhões para 50 projetos espalhados pelo Nordeste. Todos estão parados ou rastejando. Um deles começou em 1979 e até agora não acabou: "apenas" dez anos de atraso.
Alguns dos projetos estão paralisados há inacreditáveis cinco anos. Um exemplar está na Bahia. Resultado: as obras estão em processo de deterioração. Um açude que beneficiaria mais de dois milhões de pessoas no Ceará, iniciado em 1991, está paralisado. Só terminaram 2% dos trabalhos. Outro açude no Rio Grande do Norte deveria ter sido entregue em 1992: até aqui, 3% concluído.
Máximo da crueldade: outros projetos já estão quase prontos mas, por falta de verba, não funcionam. Um açude em Pernambuco ajudaria 50 mil pessoas. Está parado, apesar de só restarem 5% para sua conclusão. É como fazer transplante de coração num paciente, mas não ter o fio para a costura.
O índice que proponho mediria o seguinte: quantas pessoas morrem por causa da incompetência, descaso ou corrupção das autoridades. Há, por exemplo, uma relação direta entre água, produção de alimentos e mortalidade infantil.
Constatada que determinada ação ou omissão implicou estragos, o índice do custo de morte provocaria a demissão e, se possível, abertura de processo por homicídio culposo.

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