São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Moradores acusam garotos por furtos

LUIS HENRIQUE AMARAL
DA REPORTAGEM LOCAL

A estação da Sabesp onde as três crianças foram mortas se transformou ontem em um ponto de visitação dos moradores do bairro. O garoto M., 12, servia de guia: "Aqui onde tem sangue, eles morreram. Lá no fundo tem pedra de crack e marca de bala."
M. mostrava às pessoas que chegavam uma bala que encontrou incrustada na parede.
O garoto disse que não gostava dos outros que morreram: "Se alguém matou é porque eles deviam alguma coisa", disse, mostrando uma cicatriz na mão, resultado de uma briga com os meninos de rua.
A maioria dos "visitantes" conhecia os mortos, pelo menos de vista. O grupo era chamado de "gangue dos nóias" e reunia 15 crianças, entre elas três meninas, que faziam pequenos furtos na estação de trem de Suzano.
A gangue estava sendo acusada pelos moradores de dois furtos no bairro. Uma casa de tintas e uma loja de produtos eletrônicos, que ficam na rua da praça, foram invadidas nos últimos 15 dias. Ontem à tarde, estavam fechadas.
Segundo moradores, há alguns dias o dono da casa de materiais de construção encontrou seu cartão de crédito, que havia sido roubado, no posto da Sabesp.
Os garotos ainda eram acusados de terem invadido a padaria Padre Cícero e uma mecânica, ambas na praça onde houve as execuções.
O dono da padaria, Júlio Druri, disse que não registrou Boletim de Ocorrência da invasão: "fazer B.O para quê?", perguntou. Ele negou qualquer envolvimento seu ou de seu filho, Francisco, 21, no caso. "Não adianta matar, o trem traz outros", disse.
"Nossa vida é um inferno com esses moleques toda a noite na porta de casa", diz a dona-de-casa G., que mora na praça. "Mesmo assim acho que eles não mereciam morrer, eram apenas crianças sem um lar", disse.
O filho de G. disse que ouviu tiros e gritos de socorro anteontem por volta das 11h30. "Os gritos pareciam ser de uma mulher ou de uma criança, mas não saímos na rua por medo", disse.
J., um rapaz que foi ao local do crime, disse à Folha que conhecia os garotos e que "por uma grande coincidência" preveniu que eles corriam risco na noite de anteontem, duas horas antes do crime.
"Eu encontrei eles na praça e disse para tomarem cuidado porque estavam acontecendo muitos assaltos e eles estavam sendo acusados", disse J.
Segundo moradores, que pediram para não se identificar por medo de represálias, os garotos se reuniam na praça porque em uma rua próxima funcionam duas bocas de venda de tóxico.
As crianças roubavam, compravam crack (por R$ 10,00 a dose, suficiente para uma noite) e ficavam fumando na praça. Depois dormiam na estação da Sabesp.
Os garotos que estavam no local só conheciam os assassinados pelos apelidos. Segundo eles, os dois "chefes" da gangue morreram. Um deles era conhecido como "Cangaço" e o outro como "Béu".

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