São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Acabou a moleza

LUÍS NASSIF

O governo passou a ter uma única prioridade: reverter o déficit da balança comercial. Se for possível com inflação baixa, e economia em crescimento, ótimo! Se não for possível, pena!
A única coisa que pode fazer o Brasil de amanhã tornar-se a Argentina de hoje será a incapacidade de reverter o déficit comercial —imprudentemente provocado pelo ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes e por sua equipe econômica.
Quando, em dezembro, foi anunciado o primeiro déficit —de novembro— a equipe econômica comemorou com um jantar. Eram acadêmicos deslumbrados pelo fato de, pela primeira vez, sua ação ter saído do campo das idéias e provocado mudanças no mundo real.
Agora —pensavam eles— estava aberto o espaço para o ingresso no país da montanha incalculável de dólares que se seguiria à posse do novo presidente da República.
O jantar ocorreu poucos dias antes do estouro do México.
Agora, fica-se na seguinte situação: quanto mais o país depender do investimento especulativo para fechar suas contas, maior será a instabilidade desse investimento. Investimento especulativo em países é como crédito bancário: ambos só se sentem bem quando concedidos a clientes que não precisem tanto deles. E o único aval que o Brasil pode oferecer é recompor sua balança comercial.

Difícil construção
É fácil destruir superávits comerciais formados duramente ao longo de anos. No ano passado, bastou derrubar o dólar em 15% para esfrangalhar a estrutura de exportações de manufaturados. O prejuízo foi imediato. Empresas de menor fôlego interromperam as exportações. As de maior fôlego mantiveram-nas com prejuízo, apenas para não perder investimentos de anos na abertura de novos mercados.
O superaquecimento do mercado interno acelerou a redução das vendas externas. O país só conseguiu manter os mesmos níveis de exportação devido às altas extraordinárias nos preços de commodities.
Agora, o difícil será reconstruir os superávits. Não basta apenas melhorar o câmbio. Essas empresas têm que remontar sua rede de compradores, já que os anteriores tiraram o time de campo ao verificar a incapacidade dos brasileiros em dar continuidade às suas vendas.
O caminho a ser percorrido pelo governo, quase inevitavelmente, passará: a) pela redução da atividade econômica, através de juros altos e restrição de crédito; b) pela aceleração de medidas destinadas a baratear os custos de produção internos; c) por controles administrativos sobre a importação; d) pela aceleração da privatização.
O quadro é ruim, pela dor de barriga que se terá de passar nos próximos meses. Mas é bom, por devolver ao governo o sentimento de urgência em relação às reformas.
Se a crise chegasse depois da votação das reformas, a inércia dominaria todos os trabalhos.

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