São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Jodie Foster seduz Oscar com boa selvagem

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Jodie Foster está há muitos anos envolvida com o projeto de "Nell", um filme que evoluiu a partir da peça "Idioglossia", de William Nicholson.
A peça, por sua vez, se inspirava em vários casos reais de "crianças selvagens", que se desenvolveram sem contato com a civilização e, como consequência, criaram uma linguagem própria.
Estrela e co-produtora do filme —no papel de uma "mulher selvagem" introduzida à civilização por Liam Neeson—, ela tem boas chances de ganhar seu terceiro Oscar pela sua performance no papel-título de "Nell", que estréia hoje em São Paulo.

Folha - Antes de começarem as filmagens de "Nell" você disse que este personagem seria, provavelmente, o trabalho mais difícil da sua carreira. Foi?
Jodie Foster - Nem chegou perto. Na verdade, foi fácil, natural e positivamente liberador. A parte física foi, às vezes, árdua: eu resolvi perder sete quilos para poder ficar mais verossímil na pele de uma mulher criada no mato, com uma dieta irregular e carente. E as noites eram muito frias, o lago era gelado e tinha cobras. Mas, com relação ao trabalho de composição, Nell foi facílima.
Folha - Por que você achava que seria difícil?
Foster - Porque não me vejo como alguém emocionalmente disponível, alguém com as emoções e sensações à flor da pele como Nell. Eu estava preparada para um grande desafio. Avisei meu escritório que ninguém deveria esperar que eu ficasse ligando ou retornando chamadas, porque estaria muito ocupada desatando os nós da minha cabeça. Mas eu estava redondamente enganada.
Folha - O que você descobriu a seu respeito ao compor este personagem?
Foster - Descobri que eu era muito mais emotiva do que eu achava. A facilidade com que expressei Nell me mostrou isso. Foi uma descoberta meio assustadora, até. Eu me imaginava uma pessoa muito mais reservada.
Descobri, também, que posso viver com muito mais silêncio e simplicidade do que imaginava. No meio das filmagens um amigo apareceu por lá e me levou para um fim-de-semana em Nova York. Fiquei tonta!
Fomos a uma dessas delis de luxo e começamos a encher o carrinho com um monte de comida, e eu fiquei atarantada: tanta variedade, tantas cores diferentes! Foi uma sobrecarga sensorial. No final, pus de tudo de volta nas prateleiras, comprei uma caixa de morangos e os comemos ali mesmo, sentados na calçada. Acho que descobri o luxo da simplicidade.
Folha - É particularmente difícil ou fascinante, para uma pessoa como você, que fala várias línguas, aprender uma "língua" nova, que não existe?
Foster - Para começar, nós fizemos com que a língua existisse. Trabalhamos com o roteirista, consultamos um linguista, tivemos várias reuniões com eles, discutindo o que era a linguagem de Nell, nos menores detalhes. Uma vez que você passa por esse processo, a linguagem vem como uma coisa natural, como outra língua.
Folha - Na sua opinião, qual é o tema central de "Nell"?
Foster - Esse desejo primordial do ser humano que é fazer contato, viver em comunidade. O mito da solidão absoluta. Como nós temos fome, sede, de comunicação. E como nós temos que dar adeus a várias idéias absolutas, românticas, de perfeição, para podermos, de fato, viver em comunidade.
É como num casamento, no qual se entra cheia de noções românticas e um dia percebe que não funciona mais. Mas você não pode ficar sozinha numa ilha deserta para o resto da vida. O ser humano em você clama por contato. E, para desfrutar desse contato, você tem que dar adeus às suas ilusões.

LEIA MAIS sobre as estréias de cinema ás págs. 5-6 e 5-7

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