São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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'Quiz shows' brasileiros encobriam acordos

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Como no filme "Quiz Show - A Verdade dos Bastidores", que estreou há uma semana em São Paulo, dois dos mais famosos programas brasileiros de perguntas e respostas tinham cartas marcadas.
Clodovil Hernandes só aceitou disputar o "8 ou 800", que a Globo exibiu ao vivo entre 76 e 77, depois de firmar um "acordo de cavalheiros" com a emissora.
No primeiro dos quatro meses em que participou da competição, o estilista sabia de onde vinham as perguntas. Os produtores do "8 ou 800" lhe revelavam os livros e as páginas que consultariam para formular as questões, disparadas aparentemente à queima-roupa pelo apresentador Paulo Gracindo.
Em "O Céu É o Limite", sucesso da Tupi nos anos 50, recorria-se à tática do susto. "Ao sentir que determinado participante já não empolgava os telespectadores, a emissora lhe dava uma dica de bastidor. Algo como: 'É melhor se cuidar porque na próxima semana as questões ficarão bem mais difíceis' ", conta Walter George Durst, 69, redator, produtor e diretor do programa.
Temerosos, quase todos os concorrentes desistiam quando o apresentador Aurélio Campos espiava a ficha de perguntas e, prestes a iniciar a sabatina, intimava: "Você pára ou continua?"
Tanto o programa da Globo quanto o da Tupi lembram o "Twenty-One", que a rede americana NBC transmitiu na década de 50 e que inspirou "Quiz Show".
Com quatro indicações para o Oscar, o filme do diretor Robert Redford mostra as falcatruas reais que alimentavam um jogo de aparência inocente.
O "Twenty-One" estimulava a guerra entre "gênios". Os candidatos se defrontavam semanalmente com uma bateria de perguntas sobre os mais diversos assuntos. Se soubessem a resposta, iam acumulando uma quantia em dinheiro. Caso errassem, perdiam parte do prêmio e saíam de cena.
A NBC dizia que guardava numa caixa-forte os envelopes com as questões de cada semana e que só os abria durante o programa.
Mentira. Um advogado provou que a emissora escolhia os vencedores. Os felizardos tinham acesso antecipado às perguntas. A maracutaia causou comoção nos EUA.
No Brasil, a fórmula era um pouco diferente. Deixava-se claro para os telespectadores que cada candidato discorreria sobre um único tema —e não sobre assuntos gerais, como os colegas norte-americanos.
Explicava-se, também, que o programa elaborava as perguntas consultando livros sugeridos pelos próprios concorrentes.
Clodovil respondeu sobre Dona Beja, cortesã que viveu durante o século 19 na região de Araxá (MG). Interessou-se pela personagem em 57. Estudou o tema e, duas décadas depois, manifestou à Globo o desejo de participar do "8 ou 800". Indicou três livros.
Era segunda-feira quando os produtores do programa o convocaram. Queriam que estreasse dali a seis dias, no domingo.
"Recusei. Pedi um mês para me preparar melhor. Eles argumentaram que não dispunham de tanto tempo. Propuseram, então, o acordo", lembra Clodovil, 58.
"Nas primeiras quatro semanas, me diziam coisas assim: as perguntas estarão entre as páginas 20 e 60 do livro tal. Davam a pista, mas não entregavam as questões. Costumavam me procurar na véspera de cada programa e nunca passavam menos de 40 páginas."
Clodovil afirma que ficou mais três meses no ar sem receber dicas. Ganhou o prêmio máximo, de Cr$ 800 mil —"um dinheirão para a época".

LEIA MAIS
sobre "quiz shows" brasileiros à pág. 5-3.

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