São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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"Jamais achei que enganava alguém"

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O "8 ou 800" transformou Clodovil em herói. Quando entrou na disputa, o estilista gozava de certa notoriedade. Transitava pelas altas rodas sociais e, às vezes, aparecia em programas famosos, como o de Hebe Camargo. Não tinha, porém, prestígio popular.
As coisas mudaram depois que ganhou a competição da Globo. Foi capa da "Manchete" e outras revistas de grande tiragem na época. Em 77, às vésperas do Carnaval, visitou Olinda (PE). O povo o reconheceu e, histérico, fez questão de carregá-lo sobre os ombros por quase um quarteirão.
No mesmo ano, Clodovil recebeu convite para estrelar uma campanha publicitária da Valisère, marca de lingeries. Aceitou por um gordo cachê (Cr$ 400 mil). "Repeti até cansar aquele slogan que ficou célebre: 'Se eu fosse você, eu usava Valisère'."
Em 80, a Globo chamou o estilista de volta. Ofereceu-lhe um quadro de moda no recém-criado "TV Mulher".
"Sempre soube que televisão é imagem", diz Clodovil. "Percebi logo que só daria certo em um programa como o '8 ou 800' se não me preocupasse apenas com o que iria responder. Tinha que pensar também na roupa, nos gestos, na maneira de olhar para o público."
Quando caminhava em cena, por exemplo, o estilista procurava pisar primeiro com a ponta dos pés. "Só depois encostava o calcanhar no chão. Com o movimento, meu cabelo —que era comprido e liso— balançava de um jeito peculiar, perfeito para o vídeo."
Mesmo se tivesse uma resposta na ponta da língua, Clodovil nunca a dizia de imediato. "Tentava criar um certo suspense. Punha as mãos fechadas entre os olhos, como se estivesse rezando, e pensava durante alguns segundos."
O estilista garante que não recebia instruções dos produtores para agir assim. "Fiz tudo por pura intuição."
Na última etapa do programa, levou a mãe, Isabel, para o auditório. Ao vivo, em rede nacional, o apresentador Paulo Gracindo perguntou se o candidato queria disputar o prêmio máximo ou se iria parar por ali.
Com os olhos, Clodovil procurou a mãe: "O que a senhora acha? Só continuo se me prometer que não terá um piripaque." E dona Isabel: "Você é quem sabe, meu filho." O público adorou.
"Levei minha mãe para mostrar que estilista também tem família, que não é marginal nem passa a vida em saunas ou boates gays. Aliás, só aceitei participar do programa porque queria melhorar a imagem de minha profissão, sempre tão cercada de preconceitos."
Quanto ao acordo que firmou com os produtores do "8 ou 800", não o considera desonesto. "Aceitei as regras do jogo. O público não é tolo. Entendeu perfeitamente o meu papel."
Clodovil conta que conversava apenas com o "pessoal" do programa. "Nunca recebi qualquer recado da direção ou dos donos da emissora. Mesmo com o Paulo Gracindo, tinha um relacionamento restrito. Evitava consultá-lo fora do palco."
Para o estilista, o "8 ou 800" não testava sabedoria. Testava memória. "Fazíamos um show inocente e criativo. Jamais achei que enganava alguém. Enganar é quando você desce a rampa de um palácio pregando um país novo e, atrás de você, estão as pessoas de sempre."

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