São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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Tão ruim, tão cedo

A manifestação que desandou em pancadaria ontem no Rio sela a surpreendente, precoce e preocupante deterioração política e econômica do governo federal.
Não bastasse a conjuntura internacional extremamente desfavorável, que em poucos dias criou um clima de angústia e obrigou o Planalto a dar uma guinada forte e um tanto imperita na economia, o presidente viu nas últimas semanas esboroar-se seu plano de relacionamento com o Congresso. Desarticulado e aparvalhado politicamente, o chefe do Executivo foi constrangido a ouvir demandas paroquianas para tentar salvar sua esgarçada base parlamentar. Tentativa infrutífera, vistos os reveses acumulados neste terceiro mês de governo.
Os distúrbios de ontem poderiam ser tomados como independentes do contexto da crise. Afinal, os manifestantes eram os típicos e tradicionais militantes de oposição às reformas estruturais de que o país necessita. Mas é, no entanto, hipótese mais do que provável que já repercuta no ânimo da população o sentimento de que a estabilização econômica esteja ameaçada. Ademais, é inevitável que um protesto com bombas e feridos nas proximidades do presidente torne-se mais um ingrediente no molho de tensão no qual está mergulhado o país.
A sexta-feira agourenta não teve apenas bombas na rua, mas boatos de pavio aceso sob as cadeiras da alta administração da economia. Porta-vozes do Banco Central desmentiram a queda do seu presidente, Pérsio Arida, e de um de seus diretores, Gustavo Franco, no que foram secundados pelo ministro do Planejamento, José Serra. Os desmentidos foram acompanhados de louvores à integridade dos técnicos, que estaria sendo posta em dúvida por agentes do mercado.
Administrações tranquilas não precisam ter sua solidez confirmada, ainda mais se é preciso fazê-lo no momento em que os espíritos estão crispados e as reservas cambiais se esvaem preocupantemente.
À mercê de um Congresso que faz questão de mostrar acintosamente quanto vai custar a aprovação das reformas econômicas e com a direção da economia fumigada e um tanto desprestigiada, FHC parece acuado. No espaço aberto pela sua atual falta de poder de fogo, avançam lobbies, opositores de seu programa de governo e até mesmo seus próprios aliados.
A peripécia que mudou da água para o vinagre a situação política do governo vinha sendo ensaiada desde a estruturação do comando no Congresso, quando aliados de FHC, o PFL e o PMDB pefelizado, tomaram o poder no Legislativo.
Com a exceção do possível contra-ataque à base de nomeações, o que é o péssimo e atualmente único recurso governamental, FHC não dispõe de maiores defesas contra a possibilidade de vir a se tornar um refém da chantagem do Congresso. A hipótese é hoje ainda mais provável se levado em conta que lhe falta articulação parlamentar competente. Sinais de que o acuamento possa vir a se tornar pior vêm sendo dados nas últimas duas semanas, como a aprovação pelo Senado do teto dos juros e a derrota na MP da Previdência.
Apesar da gravidade do momento, ninguém espera que o Parlamento controle sua histórica avidez e pense na sua co-responsabilidade pelo país. Mais do que nunca corre-se o risco de fazer com que mais uma postergação das reformas acabe por torná-las inoperantes. Para dizer o menos, a economia mundial pode passar a ignorar o Brasil caso não sejam implementadas as mudanças. Para tentar levá-las adiante, o governo passou de modo frustrante de uma estratégia nobre de negociação com partidos para a troca de favores. Cabe-lhe agora, depois do choque de realidade e da "reengenharia" forçada de expectativas, imaginar alternativas políticas para levar à realidade as lições do fim da lua-de-mel.

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