São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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'Por que mandei matar o meu marido'

ALESSANDRA BLANCO

(continuação)
"Meu marido, Gavril, era romeno. Veio para o Brasil com seis anos e morou com os pais em um cortiço no centro de São Paulo.
Sempre foi muito inteligente. Estudava à noite e trabalhava como office-boy. Sem cursinho, entrou em duas faculdades. Fez ciências contábeis na USP.
Eu conheci o Gavril em uma festa, em 78. Ficamos amigos, namoramos e, em apenas seis meses, nos casamos. Gostávamos muito um do outro.
O primeiro problema apareceu há 10 anos, quando ele trabalhava no Crefisul. Gavril arrumou uma menina, uma secretária do banco.
Meu filho tinha dois anos. Tivemos uma discussão violenta e eu fui embora. Mas ele me pediu para voltar e eu voltei.
Decidimos então morar no interior. Meu filho queria ter uma casa com cachorro. Viemos para Americana em 1993: ele passava a semana trabalhando em São Paulo e os finais de semana com a gente.
Os problemas recomeçaram no ano passado. Em julho, depois de uma festa, ele me pegou pelo pescoço, começou a me bater e me chamar de vagabunda.
Fiquei desesperada. Ele tinha bebido muito. Meu rosto ficou arrebentado. Não podia ser ciúme porque não fiz nada na festa.
A partir daquele dia, cada vez ele aparecia de um jeito. Tentei conversar, pedi a separação. Ele dizia que aceitava, mas eu teria que passar todos os bens para ele. Concordei, mas aí ele sempre perguntava sobre o Paulo.
O Paulo não! Eu dou todos os bens, mas meu filho não.
Depois, as mulheres começaram a ligar para a minha casa, falavam coisas terríveis. Diziam que estavam com ele. Eu não tinha ciúme. Para mim, ele era só o pai do meu filho. Eu não permitia que ele me tocasse mais.
No final de novembro, começou o inferno. Ligou uma moça dizendo que o meu marido tinha uma amante chamada Silvia. Eu disse: que faça bom proveito. Tínhamos uma viagem marcada para Cancún. Antes de viajar, ligou uma mulher de novo e me ameaçou. Fiquei irritada. Liguei para a tal Silvia e falei umas boas.
Ela me ameaçou, disse que já tinha meu marido e teria o meu filho. Fomos para Cancún, passamos dez dias bem, sem brigas.
Em janeiro, o Gavril quis viajar de novo. Como eu estava fazendo um curso, decidi não ir. Ele levou meu filho e a outra. Meu filho passou uma semana com ela!
Depois da viagem, a Sílvia ainda me ligou. Disse que o meu filho era lindo e muito educado.
Aquilo doeu aqui dentro. Enquanto era o pai, tudo bem, mas meu filho não.
Quando o meu marido chegou de São Paulo, perguntei quem era Sílvia. Ele negou tudo e me chamou de louca. Chamei meu filho e perguntei: "Quando você viajou com o papai, tinha Sílvia?" Ele respondeu que sim.
Depois disso, o Gavril apertou meu nariz, me fez engolir 40 comprimidos e foi embora. Ele sabia que eu poderia morrer.
Depois que ele saiu, escrevi uma carta, tentei levantar para pedir ajuda, mas caí.
Meu filho me socorreu, ligou para a polícia e para o pai. Rasgaram a carta que eu tinha escrito e me levaram para o hospital onde fizeram lavagem estomacal.
Meu marido disse então que queria a separação. Aceitei. Ele me ofereceu R$ 600 de pensão. Eu não sabia quanto ele ganhava.
Aquela mulher ligou de novo e disse eles tinham mandado um monte de dinheiro para fora e que levariam meu filho.
Foi aquele desespero. Na quarta-feira, iríamos ao juiz assinar a separação. Eu sabia que o juiz não tiraria a guarda de mim, mas eles poderiam fugir. Ela disse que em São Paulo poderiam falsificar uma autorização minha para levá-lo.
Aí surgiu a idéia. Conversei com a Valdelaine (filha da empregada) e ela disse que se fosse seu marido, mataria. Eu disse que não tinha coragem. Ela disse que tinha.
Primeiro, ela tentou matá-lo em São Paulo mas não deu certo. No final de semana, conseguimos uma arma. No domingo (dia 12), ela ficou na minha casa, esperando por ele. Queríamos simular um assalto, mas na hora deu errado.
Valdelaine tentou fugir, mas deu de cara com ele. O Gavril fechou a mão para bater nela. E ela não teve dúvida, atirou.
Peguei meu filho e fui para o quarto. Disse que tinha ladrão. Ouvi meu marido gritar.
Escutei outro tiro, tive medo de sair, estava tudo escuro. Quando chegamos lá, ele estava caído.
Ele estava respirando. Queria colocá-lo no carro mas não tive força. Foi o meu filho que chamou a polícia. Senti desespero e fiquei arrependida quando vi aquele monte de sangue.
Na frente das outras pessoas, era o melhor homem do mundo. Eu não sentia ódio dele, mas não gostava mais. A partir do momento que um homem te bate sem motivo algum, não dá mais.
Agora queria voltar para casa com o meu filho, responder o processo em liberdade. Não me deixaram mais falar com ele. Eu queria contar para ele, não queria que soubesse pelas outras pessoas. Tenho certeza que ele ficaria comigo.
Eu diria que a mamãe fez uma coisa muito errada, feia, por egoísmo, para ficar com ele. Pensei que a polícia poderia descobrir, mas achei que valia a pena."

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