São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Excesso de trabalho dá processo

DO "THE INDEPENDENT ON SUNDAY"

O Tribunal Superior da Grã-Bretanha emitiu em 1994 um inusitado decreto que permite que funcionários processem seus empregadores por danos causados por excesso de trabalho.
Foi o que aconteceu com John Walker, 57. Depois de constatado que sofrera dois colapsos nervosos, resultantes de uma carga excessiva de trabalho, ele ganhou uma indenização de 200 mil libras (cerca de R$ 268,6 mil) a título de perdas e danos.
Walker era supervisor de serviços sociais de Blyth Valley, na periferia de Newcastle Upon Tyne. Entre 79 e 87, a população subiu de 64 mil para 80 mil.
Em termos numéricos, a área tinha o maior nível de casos de abuso infantil no país —aumentaram de 15 para 88. Apesar disso, o quadro de assistentes sociais permaneceu inalterado.
"Os assistentes sociais sempre me perguntavam quando eu ia fazer algo para melhorar a situação", contou Walker. "Me sentia pressionado, frustrado."
"Os casos de nossa área estavam chamando a atenção do país. Crianças estavam morrendo. O público exigia cada vez mais dos assistentes sociais. Entre eles, a ansiedade subia sem parar."
Sentindo-se "bombardeados", ele e um colega de trabalho encaminharam a um superior um plano de reestruturação dos serviços sociais. A proposta foi rejeitada.
As pressões continuaram aumentando, até que, em novembro de 1986, Walker começou a ter dores de cabeça e ataques de ansiedade. O estresse se intensificava e os sintomas também. Um dia, ele chocou família e amigos tendo um ataque de choro incontrolável na igreja. Foi encaminhado a um psiquiatra.
Recebeu licença médica até março de 1987. Seu psiquiatra decidiu que poderia retornar ao trabalho, desde que seus empregadores concordassem em reduzir a pressão exercida sobre ele.
No primeiro dia, encontrou uma carga enorme de serviços atrasados, um aumento ainda maior nos casos a serem resolvidos e um memorando dizendo que alguns funcionários seriam relocados para outras áreas.
"Eu estava convencido de que iria acontecer uma morte infantil na minha área, porque eu não tinha pessoal suficiente para o atendimento dos casos. Comecei a brigar com as pessoas, reagindo de maneira inapropriada."
Em setembro, Walker teve outro ataque de choro incontrolável, desta vez em sua mesa de trabalho. "Liguei para meu chefe e disse que precisava vê-lo. Disse a ele que estava acabado. Me sentia humilhado, um fracasso."
Tirou as coisas de suas gavetas e partiu. Levou cinco anos para se recuperar totalmente. Em maio de 88, recebeu aposentadoria precoce por motivos médicos.
Sua recuperação foi lenta. Ele não conseguia assistir notícias referentes a abuso de crianças sem irromper em choro. Assim, com o apoio de seu sindicato, Walker resolveu recorrer à Justiça.
Com a ajuda da família, dos amigos e de uma nova carreira de decorador e pintor, Walker conseguiu se recuperar, ou quase. Mas nunca terá condições de trabalhar num ambiente estressante.
As associações de empregadores reagiram ao veredito do caso Walker, prevendo uma enxurrada de processos semelhantes.
"Espero que os empregadores vejam meu caso sob uma ótica mais positiva. Jogaram fora um profissional com 22 anos de experiência e disposto a trabalhar por mais 15", diz Walker.

Tradução de Clara Allain

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