São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Rebelde do vôlei abandona 'quebra-paus'

SÉRGIO KRASELIS
DA REPORTAGEM LOCAL

A carioca Jacqueline Silva, 33, está mudada. Da fama de rebelde adquirida ao longo da carreira vitoriosa, a ex-levantadora da seleção brasileira anuncia que não briga mais. "Não adianta", lamenta.
Campeã no último dia 5 de março da etapa final do Circuito Mundial de Vôlei de Praia 94/95 ao lado da parceira e amiga Sandra Pires, 21, Jacqueline voltou ao Brasil no ano passado.
Trocou o milionário circuito norte-americano pelo sonho de ganhar uma vaga para a Olimpíada de Atlanta, em 96.
Estrela nos EUA, Jacqueline conquistou nas areias da Califórnia o tricampeonato norte-americano. Mas Jackie, como é chamada pelos norte-americanos, diz que veio para ficar.
Mais tranquila, essa morena de 1,70m assegura que desistiu "mesmo" de quebra-paus ou confrontos públicos, como em 1985, quando acabou cortada da seleção brasileira ao vestir o uniforme da equipe pelo avesso.
O motivo? Recusou-se a fazer publicidade gratuita dos patrocinadores do time.
Integrante da mesma geração de Isabel e Vera Mossa, ela recusa o rótulo de musa. "Isso é pura invenção. Sou apenas uma jogadora de vôlei."
A seguir, a entrevista concedida à Folha de sua casa no Rio.

Folha - Você saiu do Brasil em 86 acusada de ser indisciplinada. Brigou tanto que ao longo de sua carreira acabou cortada da seleção brasileira três vezes. Passados quase dez anos, como você analisa tudo isso?
Jacqueline - Eram apenas pontos de vista diferentes. Sempre fui uma pessoa de vanguarda. É o máximo que posso dizer.
Hoje em dia eu mudei. Não brigo mais. Não adianta ficar brigando. É melhor lutar para conseguir o que você quer.
Então, tive que fazer uma certa mudança e fui embora para os EUA disputar o circuito de vôlei de praia norte-americano. Aliás, poucos sabem, mas comecei a jogar vôlei de praia ao 9 anos em Copacabana. Meu pai me ensinou.
Folha - Mas você continua a ser uma pessoa rebelde?
Jacqueline - Não mais. A rebeldia fez parte da minha idade. Antes não tinha a sabedoria de usar as palavras. Hoje penso muito mais. Não porque estou mais velha, mesmo porque me sinto cada vez mais jovem. Agora, é lógico que tenho meus arrependimentos. Seria ridículo se não os tivesse.
Folha - Você, quando jogava no Brasil, sempre lutou muito pelos direitos dos atletas e chegou a travar um confronto público com o presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Carlos Arthur Nuzman. Qual a sua opinião sobre a cúpula que comanda o vôlei brasileiro?
Jacqueline - Eu acho que ela continua a ser dura, mas tem um comando excelente. O Nuzman tem muita visão e hoje em dia nós já superamos nossas desavenças.
Folha - Nos EUA você se tornou uma estrela do vôlei de praia. O que representou a experiência norte-americana?
Jacqueline - Nos EUA consegui me profissionalizar e viver o que estava buscando. Para mim foi uma coisa boa. Aqui, já havia disputado todos os campeonatos, torneios internacionais. Precisava encontrar outros estímulos.
Mas antes dos EUA joguei duas temporadas na Itália. E lá percebi que queria levar o vôlei de praia mais seriamente e vi que não queria mais jogar vôlei de quadra.
Folha - O que te impressionou nos oito anos vividos nos EUA?
Jacqueline - A postura do atleta. Nos EUA, ele tem voz, sabe se impor, se apresentar. Antes de tudo, sabe ser um empresário.
No Brasil as coisas são bem mais difíceis.
Folha - Você é considerada a melhor levantadora que o vôlei feminino do Brasil já teve. Mesmo assim, acabou discriminada na seleção. Isso te fez sentir marginalizada?
Jacqueline - Eu não acho que tenha sido marginalizada. Vivi realmente uma polêmica envolvendo patrocinadores da seleção. Mas isso faz parte da vida. Cada um marca a história do seu jeito.
Folha - Você se preocupa com uma decadência física?
Jacqueline - Não me preocupo com isso. Todo atleta de alto nível tem que seguir uma dieta. A minha dieta é o meu pensamento, uma forma de atitude, carinho comigo mesma. E procuro não dormir tarde, porque o importante é a saúde. Durmo normalmente às 21h30 e acordo bem cedo para ler.
Folha - Quando você está longe das competições, o que faz para relaxar?
Jacqueline - Tomo chá de camomila e faço massagem.
Folha - O vôlei te deixou rica?
Jacqueline - Ainda não. Acho que ganhei muito com a minha profissão em termos de aprendizado, de convivência.
Folha - O que você odeia fazer e continua fazendo?
Jacqueline - Comer carne vermelha.
Folha - Como você comemorou a conquista do título da etapa do Mundial no Rio?
Jacqueline - Fui a uma churrascaria (risos). E depois vim festejar em casa. Tenho uma ligação muito forte com a minha família.
Folha - Qual a sua impressão do Brasil atual?
Jacqueline - Acho que está tudo meio desorganizado. No Brasil se tem sempre a impressão de uma tensão no ar. Quando se fala hoje em dia na violência do Rio de Janeiro eu fico pensando que o problema não é o Rio. É todo um conjunto. Está muito caro viver aqui no Brasil. Mas não penso em voltar a morar no exterior. Voltei para ficar no Brasil.
Folha - Você é religiosa?
Jacqueline - Não. Mas acredito em Deus.
Folha - Para quem você levantaria a bola?
Jacqueline - Para a Sandra Pires (parceira com quem ela forma dupla desde 93).
Folha - Para quem você não levantaria a bola?
Jacqueline - Não levantaria a bola para quem está do outro lado da rede.
Folha - Quem você levaria para uma praia deserta?
Jacqueline - Se levarmos uma pessoa que nós gostamos provavelmente vamos odiá-la. Uma praia deserta tem tudo. No momento, acho que levaria uma rede e dois times para ficar jogando vôlei por lá.
Folha - Você está namorando?
Jacqueline - Não. Atualmente, só estou apaixonada pelo esporte.
Folha - Como você vê a questão da Aids?
Jacqueline - Ela mudou o comportamento de todas as pessoas. E seria uma estupidez se isso não tivesse acontecido, não é mesmo?
Folha - E o homossexualismo?
Jacqueline - Cada pessoa tem as suas preferências.
Folha - O que é ser mulher para você?
Jacqueline - É ser uma pessoa forte, independente e determinada. Não sei se todas as mulheres são assim. Se ser uma mulher do futuro é ser assim então eu sou uma mulher moderna.
Folha - O que é ser moderno para você?
Jacqueline - É voltar a ser clássico.
Folha - Você já pensou em casar e ter filhos?
Jacqueline - Já pensei em ter filhos. Acho que vou ter, mas no momento a minha vida está muito relacionada ao meu trabalho.
Folha - Como você se define?
Jacqueline - É uma pergunta fatal. Me acho bonita, simpática, modesta, um pouco vaidosa.
Folha - Sua geração, apesar de ter contado com excelentes jogadoras, nunca conseguiu um título mundial ou olímpico. Como você analisa isso?
Jacqueline - Acho que na minha época de seleção tivemos a estrutura que era possível. Mas faltou um maior controle emocional. Não éramos preparadas emocionalmente.
Folha - Quais os planos da dupla Jacqueline/Sandra para o futuro?
Jacqueline - Depois da disputa do torneio do Caribe, vamos partir para o Circuito Brasileiro e as etapas do Mundial. Além, é claro, do objetivo maior que é a classificação para os Jogos de Atlanta.

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