São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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O fim do ideal democrático

MICHEL MAFFESOLI
ESPECIAL PARA LE MONDE

Glosou-se muito sobre o que se convém chamar de "silêncio dos intelectuais". Forma pudica de reconhecer que, o mais das vezes, eles não têm mais muito o que dizer. Pode-se, ao contrário, reconhecer que são muito falantes. Falação sem consequências na maioria das vezes, em que a convicção e a indignação, próprias das "belas almas", substitui a reflexão.
Essa falação é cansativa e, acima de tudo, encontra-se completamente desligada da realidade social. De um lado, porque continua apreendendo a vida social com categorias algo datadas. Se "os grandes discursos de referência" tiveram sua época, seu poder nocivo ainda não deixou de produzir efeitos lamentáveis. E, de outro lado, porque a parte mais importante das análises em curso está contaminada pela lógica da necessidade de serem normativas, judicativas, levando pouco em consideração o que é, o que deveria ser.
Na verdade, essencialmente preocupada por seu desespero frente a um objeto inalcançável, incomodada por restruturações político ideológicas de toda ordem, a maior parte da intelligentsia, universitários, jornalistas e formadores de opinião tomados em conjunto parece completamente incapaz de entender, e talvez até mesmo de ver, a mudança qualitativa que está se operando nas sociedades.
No máximo, frente a um desencantamento político e sindical dos mais massivos, frente à evidente saturação do "contrato social", vai-se buscar um velho conceito da filosofia política do século 19, a malfadada "sociedade civil", ectoplasma de contornos indefinidos, que tem a dupla vantagem de evitar um esforço de análise e de mascarar a cisão que percorre um corpo social que não pode mais ser interpretado em termos de classes, de categorias socioprofissionais ou de qualquer outra categoria identitária da mesma laia.
Essa cisão pode ser comparada ao "buraco negro" descoberto pela astrofísica contemporânea: outra forma de energia se condensa nele e escapa das análises clássicas feitas em função do espaço-tempo tradicional.
Assim, podemos dizer, ainda que de uma forma hipotética, que o homo economicus, interessado no distante e no domínio da natureza, e o homo politicus, fascinado pelo poder e que se posiciona a favor ou contra ele, poderiam muito bem dar lugar ao que podemos chamar de homo aestheticus, que está preocupado, antes de mais nada, em experimentar algumas emoções coletivas, em pequenas "tribos" das quais participa.
Sob pena de perder contato com a realidade social, seria uma boa inspiração estarmos atentos a esse processo. Ele privilegia o que é próximo, familiar, cotidiano. Ele dá importância ao consenso em seu sentido cronológico, cum sensualis, ou seja: comunhão dos sentimentos. Esse consenso está, antes de mais nada, centrado no que podemos chamar de "proxemia". Em todos os campos (trabalho, cultura, sexualidade), é dada prioridade, por bem ou por mal, ao sentimento de pertencimento.
É evidente que tal consenso nada mais tem a ver com o modelo do contrato social, determinado, antes de tudo, por um desenvolvimento linear, racional e previsível. Ele faz pensar mais numa arborescência de ramificações complexas e de efeitos aleatórios. São as circunstâncias e o prazer de viver em conjunto momentos de intensidade que irão caracterizar, assim, as diversas explosões sociais.
Podemos até mesmo supor que estas, sem mais razões, vão se desenvolver em todos os campos da vida social. Greves desprovidas de reivindicações "razoáveis", coordenações de toda ordem, que não querem perecer uma vez terminadas as negociações: os "movimentos" improvisados e diversos estão aí para mostrá-lo.
Dentro dessa lógica, todos os pretextos servem, indecidíveis também. Em todo caso, frente a este situacionismo generalizado, é muito delicado limitar-se às interpretações estritamente mecânicas que fizeram o sucesso da perspectiva econômico-política. Seríamos mais prudentes acompanhando com atenção os meandros das paixões e dos sentimentos coletivos que não são verbalizados em manifestos ou em programas clássicos, mas que se expressam numa prática, às vezes muito banal, que marca sempre profundamente o corpo social.
O social não se inscreve mais nos quadros de uma história em marcha, e também não se situa mais contra a história —ele se põe à sua margem. Mais exatamente, ele explode o conceito de centro histórico numa multiplicidade de centralidades subterrâneas, cada qual com sua história. Saber levar em conta essa heterogeneidade é certamente a questão essencial deste final de século.
Essa heterogeneidade vai atravessar de ponta a ponta todos os campos da vida social. Podemos encontrá-la, do trabalho ao lazer, passando pelo consumo, nas diversas situações que caracterizam as sociedades. Ela vai igualmente se alojar, da família aos partidos, passando pelas associações, em todas as formas de agregação que conhecemos. Podemos recuperá-la, por fim, em todas as instituições que, da escola às diversas organizações, estruturam a vida social. Essa heterogeneização galopante faz com que tudo tenha tendência a escapar a uma ordem puramente mecânica, e supera, ou ao menos não se reduz ao que comumente chamamos de relações sociais.
Não que estas não existam ou que tenham deixado de existir —seria preciso ser muito cego para negá-las—, mas talvez este seja o momento de mostrar que elas repousam sobre um ethos, um modo de ser que a modernidade considerou como um dado de menor importância. É o que podemos chamar de socialidade. Trata-se de algo muito diferente da simples "sociabilidade" que se concedia como objeto de menor importância, nos quadros das relações sociais.
Ao social pertencem a solidariedade mecânica, a instrumentalidade, o projeto, a racionalidade e a finalidade. A socialidade, ao contrário, assiste ao desenvolvimento da solidariedade orgânica, da dimensão simbólica (comunicação), da preocupação com o presente.
Estamos assistindo, no nosso tempo, ao acirramento do sentimento coletivo. Contra aqueles que lamentam o fim dos grandes valores coletivos e o encolhimento do indivíduo —associados à importância atribuída à vida cotidiana (o que chamam de cocooning)—, podemos emitir a hipótese de que o fato novo consiste na multiplicação dos pequenos grupos de redes existenciais.
Podemos retomar a questão que preocupava Durkheim em seu tempo: "Como se mantém uma sociedade que nada transcende mas que transcende todos os seus membros?" Esta formulação resume claramente a temática da transcendência imanente. A política finalizada ou o utilitarismo econômico não podem, sozinhos, explicar a propensão em se associar. Apesar dos egoísmos e dos interesses particulares, existe um cimento que garante a duração.
Talvez seja preciso buscar sua fonte no sentimento dividido. Segundo as épocas, esse sentimento estará dirigido ora para ideais distantes, e por conseguinte pouco densos, ora para objetivos mais poderosos, porque mais próximos. No último caso, ele não poderá ser unificado, quanto mais racionalizado e universalizado. Nesse momento, a solidariedade que engendra adquire um sentido concreto.
É assim que uma certa indiferenciação consecutiva da mundialização e da uniformização dos modos de vida, e por vezes de pensamentos abstratos, pode caminhar paralelamente ao acirramento de valores particulares que, quanto a eles, sofrem um investimento intenso por parte de alguns.
Assim, podemos assistir a uma midiatização crescente, a um modo de vestir estandardizado, a um fast-food invasivo e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de uma comunicação local (redes de TV a cabo, canais temáticos), ao sucesso de gamas de roupas específicas, de produtos ou de pratos locais —quando se tratar, em momentos particulares, de retomar sua existência.
A comunhão do sentimento é o verdadeiro cimento social: pode levar à sublevação política, à revolta pontual, à luta contra a exclusão, à greve de solidariedade; pode igualmente expressar-se no interior ou no meio da banalidade corriqueira. Em todos os casos, constitui um ethos que faz com que, contra ventos e marés, por cima das carnificinas e dos genocídios, o povo se mantenha enquanto tal, e sobreviva às peripécias políticas. Não é porque o tema foi aviltado, durante uma orientação política de triste memória, que o populismo, que não passa de outra forma de dizer o ideal comunitário, deva ser diabolizado. Pode-se mesmo afirmar que, negando-o, estamos certos de que ressurgirá de forma perversa, ou seja, por caminhos tortuosos e, logo, de modo mais perigoso.
Para o sociólogo que procura entender o vitalismo da sociedade, a chave poderia ser: "Omnis potestas a populo" ("todo poder emana do povo"). Podemos imaginar um poder em via de mundialização, bi ou tricéfalo, disputando e dividindo as zonas de influência econômico-simbólicas, jogando com a intimidação atômica e, por outro lado (ou em paralelo), a proliferação de grupos de interesses diversos, de "lobbies", a criação de feudos específicos, a multiplicação de teorias e de ideologias opostas umas às outras. De um lado, a homogeneidade, do outro a heterogeneização.
Esta perspectiva é atualmente negada pela maioria dos observadores sociais. Em particular porque contradiz seus esquemas de análise oriundos dos pensamentos positivistas ou dialéticos do século passado. Essa evolução não deixa de ser preocupante em muitos sentidos, pode-se com razão perceber a crueldade em ação nas guerras entre vizinhos, entre tribos, na violência dos bandos entre si, na rejeição de um ideal pacificador. Mas ela existe e, antes de emitir um julgamento qualquer, não seria nosso trabalho de intelectuais estabelecer, primeiro, um diagnóstico? Esse diagnóstico deveria permitir-nos perceber nessa tribalização da sociedade não só os aspectos desestruturadores da antiga ordem, como também aqueles que anunciam outro tipo de harmonia.

Tradução de CRISTINA MURACHCO

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