São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Capital especulativo x investimento produtivo

RONALDO C. DE MAGALHÃES

Os eventos dos últimos meses têm exacerbado as críticas ao que se costumou chamar de capital especulativo de curto prazo. A natureza dinâmica e arisca deste tipo de investidor —características acentuadas pelo desenvolvimento irreversível desta maravilha eletrônica chamada "mercado global"— torna vulneráveis as economias cujos projetos de longo prazo têm sua viabilização financeira baseada, por erro crasso de política econômica, na entrada de recursos de características eminentemente de curto prazo.
A total desinformação quanto aos mecanismos vigentes no mercado financeiro internacional, por parte da grande maioria dos críticos, acaba por determinar a execração pública a que tem sido submetida esta categoria de agentes econômicos.
Seria suficiente entender as regras básicas e os motivos que norteiam seu comportamento para compreender que não só desempenham um papel importante na alocação internacional dos recursos disponíveis como se comportam de maneira complementar ao capital produtivo de longo prazo, servindo de primeiro alerta quanto à consistência das políticas econômicas vigentes em determinada economia.
Poder-se-ia comparar sua complementaridade com a imagem do farol baixo que permite ao motorista perceber os buracos e desviar deles, evitando, assim, acidentes que comprometeriam o alcance do destino visualizado através do farol alto.
Não se pode cobrar do chamado "smart money" atitude diferente da que vem apresentando nos casos do México, Argentina e, mais recentemente, do Brasil. Os administradores destes recursos são pagos para alocar os valores sob suas responsabilidades nos mercados/países que apresentem as melhores perspectivas de valorização sem perder de vista sua capacidade de retirada, caso o ambiente econômico local gere incertezas ou a situação os obrigue a repatriar recursos para fazer frente, por exemplo, a resgate de cotas de seus fundos, originados por prejuízos em outras praças.
Rotular como "fuga" seu movimento de saída é escapismo, conveniente aos que se recusam a aceitar a lógica comum de que não há razão plausível para um gestor responsável manter o dinheiro dos outros em ambiente de baixa probabilidade de valorização no horizonte de tempo apropriado à sua natureza. Mais adequado seria chamar a repatriação de capitais de "retirada estratégica coerente".
A competente administração desses recursos contribuirá para melhorar a taxa de retorno global dos portfólios —já que, normalmente, o montante dedicado ao curto prazo é um pequeno percentual das carteiras de investimento.
Esta é a forma como deve ser entendida a conduta destes "players". Não há razão para condená-los. Aqueles que, por incompetência, não souberem enxergar a diferença, que paguem por seus erros.
Está parcialmente certa a posição do governo brasileiro ao dizer que não tem que se preocupar com as oscilações de curto prazo das Bolsas de Valores causadas pelos movimentos do capital especulativo. Digo parcialmente porque, no nosso caso, fica difícil determinar se a saída de recursos observada desde dezembro deve ser atribuída exclusivamente ao "efeito tequila" e, mais recentemente, ao "efeito tango", ou se há, concomitantemente, alguma frustração com a demora e a aparente falta de comprometimento com a execução das mudanças prometidas em campanha, cuja implementação sinalizaria a entrada definitiva do Brasil no caminho do crescimento auto-sustentado.
Caso a dúvida persista por mais tempo, o exemplo da complementaridade dos faróis voltará a ser aplicado, estendendo a insegurança aos investidores de longo prazo. Os números relativos aos investimentos programados de multinacionais para os próximos anos são alentadores: US$ 1,5 bilhões em projetos já anunciados para o período 95/98. Sua consecução dependerá, em boa parte, da sinalização gerada por Brasília nos próximos meses.
Será crucial a implementação de algumas das mudanças constitucionais anunciadas, principalmente as que dizem respeito à redução do chamado "custo Brasil", flexibilização dos monopólios, tratamento igualitário ao capital estrangeiro dedicado à produção —afinal, pouco importa o endereço do acionista. O que vale é o número de empregos que gera e o alto nível médio do tratamento dado aos empregados das multinacionais, de longe as melhores empregadoras do Brasil.
Também será necessário reduzir a carga tributária para níveis aceitáveis —carga global não superior a 30%, com simplificação e redução do número de impostos; quando não evadem impostos pelo simples motivo de sobrevivência, as empresas são obrigadas a despender esforço significativo no que se costuma chamar de "planejamento tributário", desviando tempo e energia preciosos da atividade produtiva— assim como rever o sistema previdenciário.
Igualmente importante é a redefinição do papel do Estado —reorientando suas prioridades no sentido de execução do papel de entidade fiscalizadora e não de executor de atividades produtivas, função que exerce mal e a um preço inaceitável. A privatização ilimitada das estatais liberaria o governo para dedicar-se às atividades básicas ligadas à saúde, educação e saneamento, sem o que não se forma um povo preparado para enfrentar os desafios de uma economia mundial cada vez mais interligada e competitiva.
Enfim, como se vê, a natureza dos movimentos pode ser distinta, "pero no mucho!" Afinal, o longo prazo é inequivocamente feito de uma sequência de eventos de curto prazo. Se não houver sintonia entre os acontecimentos de hoje e as promessas quanto ao ambiente econômico esperado no longo prazo, as expectativas negativas se acumulam. Os projetos de investimento permanecerão no campo das intenções e o Brasil permanecerá na condição de nação de futuro... que nunca chega.

Texto Anterior: Na memória; Refrigeração industrial; Saindo do vermelho; Perdas a recuperar; Licenças a conceder; Duas bandeiras; Outros mercados; Em São Paulo; Concorrência unida; Iniciativa privada
Próximo Texto: Desemprego cresce na Grande São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.