São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
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A importância da câmara setorial automotiva

PAULO ROBERTO RODRIGUES BUTORI; MARCO TULIO LEITE RODRIGUES

PAULO ROBERTO RODRIGUES BUTORI e
MARCO TULIO LEITE RODRIGUES
Governo, montadoras, indústrias de autopeças e trabalhadores firmaram, nos últimos três anos, uma série de acordos que permitiram o crescimento da produção brasileira de veículos em 30% em 1993 e 14% em 1994. Grande parte destes acordos ocorreu no âmbito da câmara setorial automotiva, que tem sido excelente instância para superar uma série de entraves burocráticos, próprios da economia brasileira.
Essencialmente, o que se fez foi reduzir o preço dos veículos, através da redução dos impostos e dos preços líquidos praticados pelos agentes da cadeia produtiva e de comercialização. Adicionalmente, o setor beneficiou-se do crescimento do restante da economia, valendo-se do efeito renda.
Apresenta-se agora nova oportunidade para discutir diretrizes para o setor, numa outra rodada da câmara setorial. Contudo, o momento é bastante delicado, porque qualquer medida de expansão de demanda é reprimida pelo governo, temeroso de perder o controle da estabilização monetária, viga mestra do Plano Real.
Sem dúvida a estabilização é importante, porque alivia a todos do imposto inflacionário, utilizado para financiar setores pouco sadios da economia, que sempre tiveram bom acesso aos recursos públicos. Facilita também a decisão de investimento e, portanto, o crescimento, na medida em que torna os sinais do sistema de preços mais confiáveis.
A contínua repressão à demanda, porém, não pode se tornar um fim em si mesmo, sob pena de desestimular totalmente os setores dinâmicos da economia, que se mostram interessados em ampliar sua oferta.
No setor automotivo, as medidas tomadas pelo governo no bojo do Plano Real têm um efeito líquido altamente desestimulante para a produção brasileira. Sobrevalorização da taxa de câmbio, aumento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de automóveis populares e dificuldades diversas criadas ao financiamento do consumidor inibem a demanda. Taxas de juros altas e idas e vindas na fixação das tarifas de importação dificultam a expansão da oferta.
Isto é particularmente crítico, considerando-se que a indústria automotiva brasileira está no limiar entre ser ou não uma base produtora de classe mundial. A questão fundamental nesta definição é a escala de produção doméstica, que se não atingir um limite mínimo inviabiliza qualquer esforço para ganho de competitividade.
O Brasil produz anualmente 1,6 milhão de veículos, quantidade bem inferior aos mercados norte-americano, europeu e japonês, que produzem, cada um, de 9 a 12 milhões de veículos. Isso se reflete numa produção anual média por plataforma (veículos com uma mesma estrutura básica) de 90 mil veículos no Brasil, bastante aquém dos 180 mil veículos produzidos pelos maiores fabricantes internacionais.
Como resultado, o país tem uma desvantagem de custos intrínseca, cuja superação requer elevação da demanda doméstica e a concentração da produção em um número menor de modelos, preferivelmente exportáveis. Ou seja, a esperança do Brasil é consolidar-se como um produtor de veículos mundiais, de tamanho pequeno e talvez médio, produzindo pelo menos 3 milhões de veículos por ano.
Apesar de o efeito renda ser muito importante, somente reduções de preço ou disponibilidade de crédito ao consumidor permitirão um salto expressivo de demanda. Um crescimento da economia da ordem de 5% ao ano, tomando a relação histórica (70%) entre o crescimento do setor e o da economia, sequer levará o mercado a 2 milhões de veículos no ano 2000.
Por outro lado, iniciativas como o carro popular demonstram como uma queda de preço de 17% pode criar um segmento que respondeu por 46% do mercado brasileiro em 1994. Efeito semelhante só foi alcançado quando se facilitou a operação de consórcios, que é apenas uma das formas de se financiar o consumidor.
Reduzir preços implica que a indústria acelere seus programas de produtividade, quem sabe mantendo o impressionante ritmo do início desta década. Contudo, a frente principal para reduzir preços é a redução de impostos (ICM, IPI, PIS e Cofins). No Brasil, eles atingem 34% do preço do veículo, contra 6% nos EUA, 9,5% no Japão, 15% (médio) na Europa e 18% na Argentina.
Isso é ainda mais oportuno considerando-se que a elasticidade da demanda está a um ponto em que é possível fazer este movimento sem reduzir a arrecadação total (o ICM recolhido pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais cresceu nos últimos dois anos, em função do aumento das vendas, impulsionado pela queda da alíquota).
Em conclusão, observa-se que a indústria automotiva brasileira necessita produzir quantidades maiores para atingir uma posição competitiva sustentável. Para tal, faz-se necessário aproveitar a demanda latente no mercado doméstico, o que implica reduzir preços (principalmente via impostos) e fornecer ao consumidor condições de financiamento próximas às do mercado internacional.
Se o governo considera que não pode tomar nenhuma dessas medidas neste momento, deve então poupar a câmara setorial dos desgastes envolvidos nas discussões de questões menores. No tempo certo, esta eficiente instância será muito útil para a definição de uma política industrial de maior fôlego.

PAULO ROBERTO RODRIGUES BUTORI, 44, é presidente do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e diretor-superintendente da Fupresa S/A.

MARCO TULIO LEITE RODRIGUES, 39, é diretor do Sindipeças e presidente da Brazaço-Mapri e da Metalúrgica Norte de Minas.

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