São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
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A fantasia do real

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Tanto o presidente da República como seus arautos estão invocando, por qualquer pretexto (e mesmo sem pretexto algum), os 34 milhões de votos que elegeram FHC. Ninguém colocou em dúvida a legitimidade de seu mandato. Diante das dificuldades iniciais que se apresentam, tanto no setor político como no administrativo, o argumento pretende ser um cala-boca.
Quem teve os 34 milhões de votos foi o real, moeda que da noite para o dia passou a ter o valor do dólar sem que houvesse riqueza nacional que lhe desse lastro, apoiado apenas numa medida provisória assinada entre quatro paredes e por mais ou menos quatro funcionários. O preço que a operação está custando e ainda vai custar é uma incógnita e pode até se tornar um escândalo.
O cidadão FHC —que eu pessoalmente admiro, menos em sua versão ministerial e agora presidencial— mal teria uns 6 milhões de votos se não tivesse o lastro do poder econômico que atapetou o seu caminho para a Presidência.
Cinco meses antes da eleição, eram poucos os brasileiros que sabiam da sua existência. A mágica que propiciou os 34 milhões de votos teve etapas, desde a dinheirama que rolou nos últimos meses do governo Itamar Franco para lubrificar a campanha do real, até as escamoteações contábeis que fizeram o real valer mais do que o dólar. Escorado numa ficção, o real deu meia trava na inflação —essa sim, o cabo eleitoral que decidiu a parada.
Os 500 ou 3.000 gatos pingados que o vaiaram no Rio também são legítimos. Invocar contra eles os 34 milhões de votos é um erro e uma tolice. A vantagem numérica foi obtida através de um ardil que está ameaçando se tornar uma fraude.
O presidente da República seria mais inteligente, ou, no mínimo, mais esperto, se esquecesse o placar. A partida agora é outra. Ele tem de se habituar à idéia de que o escore é zero a zero. Ainda. E o que está pintando é gol contra ele.

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