São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995 |
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Romance contrapõe etnólogos
DANIEL PIZA
No livro, um escritor de viagens alemão, de 80 anos, recebe a carta de um ex-companheiro de viagens pelo Brasil, com quem estudou povos indígenas da Amazônia nos anos 30. O companheiro é etnólogo e antropólogo brilhante, Leo Himmelfarb, judeu alemão. Quando voltou da Amazônia na Segunda Guerra, o narrador trouxe o diário da viagem escrito por Himmelfarb e, como julgava este morto, o publicou com seu nome. Mas Himmelfarb não estava morto. Vive em Israel. O livro, depois de 50 anos da edição original, é traduzido em hebraico e Himmelfarb o compra. Descobre o plágio e escreve ao outro para protestar. Tudo isso é narrado do ponto de vista do plagiador, que confessa sua inveja de Himmelfarb —que é a inveja que se tem de Lévi-Strauss. Himmelfarb, como o autor de "Tristes Trópicos", é um intelectual que não prejulga, que está pronto a aceitar e compreender o estranho. Mas essa é só uma leitura do livro. Krger faz de seu narrador um homem tipicamente alemão, o alemão do estereótipo desta segunda metade do século, o Aschenbach de "Morte em Veneza", de Thomas Mann. É um homem repleto de "prinzip" (princípio) moral, desprovido de sensualidade, numa luta por sublimar tudo; logo, um autoritário potencial, disposto a negar o outro. Krger tenta o exame dessa chaga alemã, que só escritores como Mann e Gnther Grass ousaram cutucar. Mas aí se dá mal. O assunto é mais complexo que o tratamento. Ainda mais porque Krger faz do conflito de seu narrador com Himmelfarb uma metáfora do confronto judaico-alemão, que no livro se revela insolúvel. Assim, a questão filosófica se mescla à política e Krger ainda insinua a religiosa. Raras vezes, porém, tudo isso ganha existência narrativa, isto é, cenas que traduzam o drama todo. Uma exceção é uma longa jornada que o narrador passa no lombo de uma mula, vê índios se alimentando de cérebro de macaco e acaba com diarréia, febre e alucinações. Mas faltam outras desse quilate. (DP) Livro: A Última Página Autor: Michael Krüger Tradutor: Sérgio Tellaroli Preço: R$ 14 Texto Anterior: Clássico de Lévi-Strauss tem edição no país Próximo Texto: Cohen inaugura hoje novo piano do Municipal Índice |
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