São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Japão rediscute seu modelo econômico

GILSON SCHWARTZ
DE TÓQUIO

A sociedade japonesa enfrenta com dramaticidade crescente as dores do sucesso.
Há no Japão uma reverência quase mítica à geração do pós-guerra que tirou o país das cinzas e o colocou no centro do mundo. Aos problemas políticos e econômicos de hoje acrescenta-se assim uma dimensão quase demográfica, onde as novas gerações se questionam sobre seu papel.
Está cada vez mais difícil encontrar respostas. O fenômeno econômico central é a valorização ininterrupta do iene. A economia japonesa ofereceu ao longo do tempo duas respostas básicas a esse desafio: mudar suas indústrias para o Sudeste Asiático, gerando os "tigres", e investir na racionalização dos processos produtivos, compensando o custo mais alto em ienes com ganhos fabulosos de produtividade.
Mas há limites para esse ajuste flexível, dados também por fatores políticos. Economicamente parece difícil encontrar fórmulas administrativas ou tecnológicas capazes de compensar as vantagens de produzir na China, por exemplo, onde os custos salariais ainda são baixíssimos (há quem os estime em até um centésimo do custo salarial japonês). Politicamente, transferir a base produtiva para outros países da região significa abandonar um número crescente de pequenas indústrias à própria sorte.
Ocorre que os sistemas de subcontratação e terceirização funcionaram no pós-guerra com pilares do modelo japonês de racionalização produtiva e aumento de qualidade. Deixar essas empresas órfãs é não apenas um problema político, como exige investimentos crescentes na montagem de sistemas semelhantes em outros países.
Uma pesquisa da Jetro na semana passada revela que os planos de investimento no exterior das empresas japonesas cresce com a valorização do iene. Mas a resposta para os problemas sociais e políticos associados a esse movimento ainda não está clara.
A valorização do iene coloca na pauta outras formas de ajuste. Também na semana passada vieram a público os primeiros acordos trabalhistas da temporada japonesa de negociação anual na primavera. Setores estratégicos, como o automobilístico, estão dando reajustes inferiores aos de 94 (seriam agora de cerca de 2,5%).
Há líderes empresariais defendendo reajuste zero como a única forma de sobrevivência frente às novas condições de economia internacional. Os sindicatos, de outro lado, negociam a redução no reajuste salarial em troca da preservação do sistema de bônus. Se a alta do iene continuar pode-se estar apenas adiando o problema.
A queda do dólar coloca também desafios de ordem diplomática. Afinal, o Japão vem usando a política de auxílio externo ao desenvolvimento como instrumento adicional de afirmação de uma vocação para líder regional e global. Mas a surpresa foi grande, alguns dias atrás, quando o governo chinês protestou publicamente pela inflação em dólar de sua dívida externa com o Japão, que passou de cerca de US$ 10 bilhões para quase US$ 17 bilhões pela taxa de câmbio de janeiro. Sem consultar os japoneses, o governo chinês fez uma exortação pública à renegociação dessa dívida. Outra má notícia para o cidadão japonês.

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