São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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A vocação do exílio

EDUARDO SIMANTOB
DA COORDENAÇÃO DE ARTIGOS E EVENTOS

"Como em outros momentos da minha vida, o cinema veio para me salvar", disse dois anos atrás o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante a um repórter espanhol. Referia-se ele aos primeiros tempos de seu exílio em Londres, onde vive até hoje soltando suas farpas contra seu maior desafeto, o líder cubano Fidel Castro.
Corria o ano de 1965 e o escritor tentava efetivar seu exílio. Logo após ser entrevistado por um funcionário do governo espanhol, que lhe dizia que sua permanência no país seria inviável, Cabrera Infante foi surpreendido por uma proposta de escrever o roteiro de um filme em Londres.
"Minha experiência como roteirista foi desastrosa", recordou ele 20 anos depois. Mas foi esta passagem que lhe garantiu o asilo político concedido pelo governo britânico. De fato, Cabrera Infante não era nenhum neófito em se tratando de cinema. Personalidade de destaque precoce no meio jornalístico cubano à época da Revolução, ele se chocou com o castrismo justamente por causa de um filme.
"P.M.", realizado em 1961 por seu irmão, foi considerado contra-revolucionário pela censura cubana. Indignado, Cabrera Infante começou a tecer diversas considerações críticas ao regime de Fidel Castro que resultaram, primeiramente, no fechamento da revista "Lunes de Revolución", fundada pelo escritor em 1959.
Filho de militantes comunistas, Cabrera Infante foi "vacinado contra o comunismo" quando viu seus pais fazendo propaganda a favor de Fulgêncio Batista (líder cubano derrubado pela Revolução de 1959), sob orientação do Partido. Uma "hipocrisia stalinista", segundo o escritor, considerando que seus pais, poucos anos antes, haviam sofrido as mazelas do cárcere político de Batista.
Mesmo assim, Cabrera Infante foi um grande entusiasta da Revolução Cubana, tendo um papel de prestígio na imprensa do país. Ocupou também cargos públicos de destaque: já em 1959, dirigiu o Conselho Nacional de Cultura e foi diretor do Instituto de Cinema de Cuba. Escreveu seu primeiro livro em 1961, "Así en la Paz como en la Guerra". Hoje diz ter vergonha da obra, por "suprimir a verdade em favor da ideologia".
Se nos ativermos à cronologia de sua carreira de escritor, tal qual ele a considera, esta começa em Londres. Ou um pouco antes, em Bruxelas, para onde foi mandado como adido cultural da embaixada cubana, expediente usado por Fidel para neutralizar as críticas do jovem dissidente.
Tomado por um sentimento de nostalgia crônica, Cabrera Infante começa a dispor sobre o papel as recordações e imagens que lhe passam à cabeça, um tanto atormentado pela solidão dos primeiros tempos de exílio. Em 1967, "descoberto" na Europa pela agente literária Carmen Balcells —que também lançou Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez no Velho Continente—, Cabrera Infante ganha o prêmio Seix Barral, categoria romance.
É por essa época que envereda sua obra para a crítica frontal ao regime castrista, ao mesmo tempo em que se aprofunda em temas da cultura cubana e em sua paixão pelo cinema, expressa através de esporádicas críticas e ensaios.
Por conta de seu embate com o regime de Castro, Cabrera Infante começa a colecionar inimigos ilustres: García Márquez ("um deslumbrado, viu Fidel logo após a Revolução e se apaixonou definitivamente"), Júlio Cortázar ("soldado da ditadura castrista"), entre outros. Discute até com o hoje neoliberal Vargas Llosa, na época também admirador de Fidel, discordando do peruano quanto à natureza espontânea e orgulhosa do povo cubano.
Pode-se dizer que a literatura de Cabrera Infante alimenta-se quase que exclusivamente de seu exílio. "Fidel Castro acabou por me tornar um escritor, de outra forma, teria virado diretor da revista 'Playboy' em Cuba. Não seria este um destino triste?", diz ele.
Estendendo-se no tema, o escritor arrola uma série de notáveis que desenvolveram sua obra no exílio: James Joyce, Nabokov, Picasso. O fato é que, se por um lado, esta ambiguidade amor-e-ódio em relação a Cuba o tornou famoso, não se pode menosprezar um outro aspecto de sua obra: a pesquisa de curiosidades históricas para a discussão de idiossincrasias peculiares do mundo moderno.
Exemplo disto é seu livro "Holy Smoke", em que faz uma ode em defesa do ato de se fumar em liberdade, atacando de frente a corrente anti-tabagista que assola vários países do Primeiro Mundo.
Outro ponto de seu trabalho que não se pode esquecer é o cinema, paixão que se iguala à do charuto. Talvez determinante seja sua relação com o espanhol Nestor Almendros (1930-1992), diretor de fotografia de alguns clássicos do cinema contemporâneo, tendo trabalhado com semideuses do cinema como François Truffaut, Eric Rohmer, Martin Scorsese, entre outros. Os dois se conheceram ainda imberbes, em 1948, durante um curso de cinema em Barcelona.
Almendros, grande defensor da preponderância da "luz natural", chegou a morar em Cuba, lá realizando uma série de trabalhos, como o documentário "Conduta Imprópria", sobre os homossexuais cubanos.
Recentemente, Cabrera Infante participou do júri do Festival de Cannes/94. Em 1993, atuou no filme "Cachao", estréia do ator Andy Garcia, na direção. O filme discorre sobre a vida do músico Israel López, vulgo Cachao, e, nele, Cabrera Infante discute com o personagem-título sobre a origem da palavra "mambo" e o panorama musical da Cuba pré-Revolução.

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