São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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DE VOLTA AO VIETNÃ

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL AO VIETNÃ

O general vietnamita Vo Nguyen Giap entrou para a história como um dos maiores gênios militares de todos os tempos. Derrotou em 1975 os Estados Unidos, a principal potência militar do século; em 1954, desferiu um golpe mortal contra o colonialismo ao vencer os franceses na célebre batalha de Dien Bien Phu.
Estrategista nunca derrotado, também com vitórias sobre japoneses e chineses, Giap comandou suas tropas durante 30 anos: Forças Armadas que começaram com 34 soldados em 1944 e somaram quase 1 milhão de combatentes na década de 1970.
Qualificado pelo brigadeiro britânico Peter MacDonald como o mais brilhante líder guerrilheiro da história, Giap, 83, vive hoje em Hanói, cercado por três assistentes e seus projetos de pesquisa.
Sai pouco de casa, recebe cada vez menos visitas e procura fugir do assédio da imprensa internacional, ataque agora reforçado pela aproximação do vigésimo aniversário do final da guerra.
Mas o general concordou em receber a Folha em sua casa de dois andares, herança do período colonial francês.
O encontro, no entanto, se cercou de restrições. A Folha não pôde levar um fotógrafo norte-americano. Trata-se de uma reunião entre brasileiros e vietnamitas, portanto o fotógrafo deve ser brasileiro ou vietnamita, argumentou um assistente do general.
Dang Bich Ha, 60, a mulher do segundo casamento de Giap, abriu a porta da sala para revelar paredes cobertas de livros e quadros, quase todos com a figura de Ho Chi Minh, o líder da independência e da revolução comunista.
Figura venerada no Vietnã, o general entrou na sala a passos curtos, sinal da idade também denunciada pela voz fraca, mas sem gaguejos. Trajava a farda. As condecorações, no entanto, apareciam apenas no retrato a óleo pendurado sobre a lareira desativada.
Heranças da guerra também sobrevivem no cotidiano do general: ele se levanta diariamente às 5h30 para ouvir o noticiário do rádio.
Às 6h ainda faz ginástica e duas horas depois começa a trabalhar nas pesquisas, uma sobre o pensamento de Ho Chi Minh e a outra, dedicada às reformas que trazem a economia de mercado ao Vietnã.
A jornada termina às 15h30, após intervalo de duas horas para o almoço. Livre das pesquisas, Giap se embrenha na leitura, dominada por clássicos militares, estudos de Napoleão ou Mao Tse-tung, e também autores como Goethe, Shakespeare e Tolstói.
O nacionalismo de um general que nunca cursou uma academia militar emerge com frequentes passagens pela poesia vietnamita.
Naquele sábado, 18 de março, o general reorganizou a agenda para receber um jornalista brasileiro. Entrou na sala exatamente às 16h30, com uma pontualidade militar. Conversou durante 78 minutos e enfatizou que preferia falar sobre o futuro.
Não alterou o tom de voz em nenhum momento, gesticulou com parcimônia, denunciando as típicas características vietnamitas de discrição e autocontrole.
Terminada a entrevista, gravador desligado, o general Giap estendeu o braço para um aperto de mão e disse: Admiro sua profissão, também tive meus tempos de jornalismo quando fazíamos agitação política nos anos 40.
Ele se referia a seus incendiários artigos publicados no Viet Lap (Vietnã Construído).
Além da entrevista com o general Giap, a Folha publica artigo do então correspondente da revista "Realidade" na Guerra do Vietnã, José Hamilton Ribeiro, e revela o paradeiro de Phan Thi Kim Phuc, que fugiu, quando menina, do ataque com napalm à aldeia de Trang Bang diante das câmeras. A foto em que aparece correndo nua tornou-se histórica.

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