São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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A sopa e as oposições

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — Parece que a paixão pelo possível, deflagrada pelo presidente da República, contaminou as oposições ou pelo menos uma fração delas. Refiro-me ao refrão da musiquinha insistentemente cantada no programa do PC do B na quinta-feira última: "O socialismo é a mosca na sopa da burguesia".
Que besteira é essa? Se eu sou socialista (ou fascista ou anarquista ou vigarista ou seja o que for), não posso me conformar em limitar o modelo que me agrada a apenas estragar a vida dos outros, por mais que a burguesia bem mereça uma mosca na sopa e até coisas piores.
Se fosse apenas um refrão, tudo bem. Já houve piores. O problema é que as oposições em geral (e não apenas o PC do B) parecem realmente limitadas ao papel de mosca na sopa (do governo, não necessariamente da burguesia).
Tome-se o caso da reforma constitucional, principal ponto da agenda política atual. Vamos admitir, só para raciocinar, que as propostas do governo sejam as piores possíveis para o conjunto da sociedade. Qual deve ser, então, o papel das oposições? Limitar-se a azedar a sopa? Ou apresentar alternativas?
O que as oposições fizeram até agora foi atuar na retranca. Ficam defendendo os monopólios, a manutenção da aposentadoria mais ou menos nos moldes atuais e assim por diante. Ressalve-se apenas, pelo menos até onde sei, proposta do deputado Eduardo Jorge (PT-SP) sobre aposentadoria.
Cabe uma perguntinha simples: com monopólios há tantos anos, com a Previdência do jeito que se sabe que é, o Brasil é um país decente para se viver?
Nada contra partidos que acreditam na validade dos monopólios, embora, como escreveram na página ao lado Tarso Genro e José Genoino, ambos petistas, o monopólio seja a negação do socialismo. Mas não dá para ficar simplesmente na defesa do status quo. A realidade objetiva é que os monopólios não funcionaram.
Pode-se até alegar que não funcionaram porque foram mal administrados pela burguesia. Não é bem assim, mas vamos fazer de conta que seja assim. Alguém aí acha que a burguesia está prestes a ser derrotada, seja nas urnas, seja por uma revolução?
Se acha, tem QI de mosca e merece morrer afogado na sopa da burguesia.

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