São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Os pássaros

MARIO VITOR SANTOS

Erramos: 25/06/95
Na edição 153, a ilustração do "Posfácio" é um detalhe de um cartaz do grupo francês Grapus, feito a partir de um trabalho de Picasso de 1961.
Os pássaros
Todos os anos os ingleses realizam competição muito peculiar, como são vários de seus hábitos. Consiste em soltar milhares de pombos-correios do outro lado do canal da Mancha, na Espanha, numa competição que é vencida pela ave que voltar a casa mais cedo.
As corridas são acompanhadas de perto pelos meios de comunicação, que registram os melhores tempos, acompanham o retrospecto dos favoritos e monitoram as condições climáticas, coisas como tempestades e velocidade do vento.
Antes da largada, as aves recebem braceletes especiais. Quando chegam em casa, depois de sobrevoar a França, esses braceletes, que funcionam como relógios, são retirados e colocados numa máquina que lê o tempo decorrido.
As aves voam grandes distâncias e as mais velozes —chegam a atingir 145 quilômetros por hora— conquistam a admiação geral, tornando-se estrelas para os aficionados do esporte.
Nessas viagens, o controle de navegação das aves está ligado também à percepção de variações do campo magnético da Terra. Elas captam tais variações através de sensores localizados nos ouvidos.
Tais mensagens são enviadas pelo sistema nervoso até uma área do cérebro do animal, onde são analisadas. Em pouco tempo, o cérebro dá instruções ao controle de navegação, que ajusta a rota para o local a que a ave deseja ir, ou para onde ela foi condicionada a desejar ir.
Uma dessas competições, porém, terminou mal. Coincidiu com a chegada de uma onda causada por explosão solar tão forte que alterou em profundidade o campo eletromagnético da Terra.
Variações grandes nesse campo atrapalham transmissões de TV por satélite, aumentam a quantidade de radiação sobre astronautas e desnorteiam bússolas. Também sabotam o sistema de orientação das aves.
O fenômeno coincidiu com a largada da corrida na Espanha. Vários dias depois, nenhum dos pombos tinha conseguido cruzar o Canal da Mancha, ou "Canal Inglês", como preferem os ingleses. Os pombos —atrasados— tornaram-se um pesadelo para a pontualidade britânica.
Aves valiosas eram vistas perdidas em ilhas do Meditterâneo. Outras caíam exaustas de tanto voar às cegas sobre terrenos da Bélgica e da França. Algumas tinham voado em direção oposta a que deveriam seguir. Várias só chegaram com muito atraso. Conseguiram achar o caminho, ainda que em meio à desorientação provocada pela tempestade magnética sobre a Terra.
Há outras aves que não precisam de tanto esforço físico como os pombos ingleses para conquistar admiração geral. Tucanos, por exemplo, cativam logo à primeira vista pela beleza da plumagem e exuberância do bico.
São aves que não se destacam pela amplitude ou precisão de vôo. Parecem feitas para serem apenas admiradas. Suas cores estão entre as mais elogiadas do mundo animal, especialmente quando estufam o peito, mas as asas são curtas.
Os tucanos estão entre as espécies consideradas barulhentas, pouco discretas. É reconhecida a estridência e variedade de seus sons, um vasto repertório dedicado mais a afugentar inimigos, quase nunca a real confronto.
Mais gregários que os pombos, tucanos preferem sempre a parte alta das árvores, onde podem ser observados. Em geral, evitam descer muito ao chão, pois seu sistema de navegação é falho —eles se perdem à toa, mesmo em vôos de curtas distâncias e na ausência das tempestades magnéticas que tanto irritam os ingleses.

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