São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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O tempo rodou num instante

FERNANDO SALÉM
ESPECIAL PARA O TV FOLHA

No "Cia. da Música" a banda Planet Hemp pedia a legalização da maconha no seu rap/drive/panfleto. Depois, foi o reaparecimento superoportuno de Armandinho, gênio genealógico da escola de escalas baiana.
Em uma outra semana foi Paulinho da Viola quem nos comoveu cantando a autobiográfica "14 anos", com seu pai ao violão. "Perguntou-me se eu queria estudar filosofia, medicina ou engenharia, tinha eu que ser doutor, mas a minha aspiração era ter um violão para me tornar sambista". Paulinho, o príncipe-cool eterno e atemporal, me arremessou no túnel do tempo.
A geração mais expressiva da MPB nasceu na TV. Chico, Caetano, Benjor, Rita Lee, Roberto & Erasmo e tantos outros hoje já cinquentões.
Anos 60. TV Record. Teatro Paramount. A canção panfletária de Vandré. A explosão tropicalista de Mutantes/baianos/Duprat. Elis e sua estranha dança. Como Paulinho, estudantes e obstinados se arriscavam na música "nessa terra de doutor".
Tinha eu oito anos de idade. A TV promovia uma catarse nacional ao vivo. "Disparada" x "A Banda". Engajamento x alienação. Viola caipira x guitarra elétrica. Xenofobia x antropofagia. A TV e seus festivais ritualísticos estavam sintonizados com a história. Era veículo anterior ao disco formando um painel para o mercado fonográfico.
Essa explosão se desdobrou em programas: "O Fino da Bossa" emepebístico, "Divino Maravilhoso" tropicalista. E "Jovem Guarda", start da cultura pop no Brasil. Três tribos que revisitaram a telinha nesse último mês.
Elza Soares e Paulo Moura, no programa de Hebe, com a fúria de dois adolescentes; Gal, no "Por Acaso", dizia que quem inventou o amor foi Dorival Caymmi. E o Rei, na MTV, revelou detalhes.
Coincidência ou não, lá estava Roberto, na mesma semana, no "Arquivo Record", sendo julgado por sua atitude hippie e seu figurino feminino. Padres, jornalistas reacionários e colunáveis faziam sua ingênua e divertida inquisição. O lobo mau era rei jogado aos leões da TV. Delicioso fóssil da pré-história da TV.
Escutando a trilha zoo-sampler do comercial da Fiat, comecei a esquentar meus neurônios-tamborins, pensando nos mestres da MPBTV.
Minha geração pegou uma TV que já embrulhava a música para presente. A "Fábrica do Som", na TV Cultura, era o único espaço onde Ultraje, Ira!, Titãs e Lobão espetavam as suas guitarras.
Hoje, vemos artistas pateticamente fazendo play-back na TV e pedindo para dar um telefone de contato.
Carlinhos Brown fez sua festa tribal na aldeia global. Alquimista dos tambores incendiando Salvador na linguagem freezer de edição da Globo. Incrível essa eterna dificuldade que os caras tem em fazer o bê-á-bá e o do-ré-mi da transmissão ao vivo.
O "Cia. da Música" parece ser o sinal de vida inteligente na caixinha de som da telinha. Iniciantes e consagrados convivem em um programa que trata de fazer seu próprio "making".
Roberto disse na MTV que seu vídeo preferido é do Skank em "É Proibido Fumar", hit-dinossauro sabiamente ressuscitado nesse surto antitabagista. No Carnaval MPB da MTV, João Gordo, como um pop-rei-momo, cantou "Alalaô ô ô"...
Finalmente parece existir alguma conexão entre passado e futuro. Roberto é rei. Paulinho é príncipe. Gal é rainha. Mas a gente "vai para o trono ou não vai?"
O musak do "Flash" já anuncia Amaury Jr. em alguma festa jet-set. Os meninos do gospel semitonam na sua cruzada cristã e eu ainda posso escutar a voz de Milton dizendo que é preciso coragem.

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