São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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A última do português

ALEX PERISCINOTO

Sabe aquela piada do português? Dizem que o português foi quem inventou o limpador de pára-brisa e os americanos levaram a fama: só porque colocaram o limpador do pára-brisa do lado de fora.
Brincadeiras à parte, a verdade é que a última do português que eu vou contar neste artigo está longe de ser uma piada. É criatividade portuguesa, com certeza.
Trata-se de um comercial feito em Portugal, premiado com medalha de ouro no último Festival de Nova York, do qual tive a honra de ser um dos jurados. A agência é a EPG. TBWA, de Lisboa, com direção de criação de Pedro Bidarra, direção de arte de José Heitor, redação também de Pedro Bidarra, e direção do comercial de Jorge Castro Freire.
Para se ter uma idéia da importância dessa conquista, é só saber que menos de 2% do que é produzido no mundo inteiro consegue chegar à categoria Ouro nesse festival. Um grande feito para os portugueses, inclusive pelo fato de não possuírem a mesma tradição, sofisticação e recursos que têm a propaganda americana, inglesa ou francesa. E por não gozarem, por exemplo, do mesmo prestígio que hoje, na área, consegue ter o Brasil.
A criatividade brasileira é conhecida e respeitada no exterior, não só por sua participação sempre brilhante em diversos festivais como pelos prêmios que recebe pelo mundo, a exemplo do recente Grand Prix de mídia impressa que trouxe para o país. Bem, mas vamos ao comercial. Começa com o locutor apresentando um crânio, que está posicionado ao seu lado, sobre um balcão. "Este crânio é igual a um crânio de qualquer motociclista", ele fala.
Depois, mostra um capacete, ao seu lado direito. "Este é um capacete igual a um capacete de qualquer motociclista".
Logo em seguida, apresenta uma marreta, e afirma: "Este é um acidente igual a qualquer acidente", e bate com a marreta violentamente sobre o crânio, que se espatifa.
Repete o gesto brusco com o capacete, que apenas balança suavemente com o impacto. O apresentador levanta o capacete, e vemos um homem, digamos, o motociclista, só levemente atordoado. O locutor finaliza: "Como você vê, é preciso cumprir as leis de trânsito".
Um comercial excepcional, que consegue ser didático e convincente. Que causa impacto e provoca a consciência das pessoas, chamando a atenção para o uso obrigatório do capacete, que pode diminuir, e muito, o número de motociclistas mortos no trânsito.
Um trabalho como esse, feito com humor e inteligência, está longe do humor que costumamos fazer do dia-a-dia dos portugueses, e mais longe ainda do nível de inteligência que a eles atribuímos quando inventamos nossas piadas. É certo que nós, brasileiros, quando brincamos assim com os nossos irmãos mais velhos, o fazemos sem nenhuma intenção de discriminação, sem esperar que eles vejam nessa nossa atitude desrespeito e ofensa. Quem, neste mundo, não está aberto a esse tipo de brincadeira, a essa criação exagerada de estereótipos?
O negócio é revidar com o talento e com a competência, como fizeram os criadores desse comercial. Ou respondendo à altura, como fez um certo português à pergunta que lhe foi feita por um ilustre brasileiro, o nosso querido e saudoso Tom Jobim.
Em visita a Portugal, o nosso grande compositor quis saber por que os portugueses não faziam piada com os brasileiros, já que nós somos campeões em criar piadas sobre os portugueses, a exemplo da piada do limpador de pára-brisa. O português, brilhantemente, retrucou: "Piada sobre os brasileiros? E precisa?"

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