São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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Cerimônia esnoba os 100 anos do cinema

Oscar já celebrou a data em 1991

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Comédia e comediantes" é o tema central do Oscar. O centenário do cinema será referido apenas de passagem. O próprio presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Arthur Hiller, abre a festa fazendo a rápida lembrança e logo afastando o Oscar das celebrações dos cem anos de cinema: "O mundo inteiro comemora o centenário da primeira exibição profissional de um filme", diz ele -e é tudo.
Hiller, então, muda de assunto, explica a homenagem aos reis do riso e o show começa. A informação vem do comentarista de hoje no SBT, Rubens Ewald Filho.
Nada que surpreenda. Tudo se deve à disputa euro-americana pela paternidade do cinema. Os pioneiros europeus viveram seu apogeu em torno de 1895 (os franceses Lumière, os alemães Skladanowsky). Já o precursor americano, Thomas Edison, começou um ano antes a explorar o seu kinetoscópio (uma caixa de madeira com uma abertura superior por onde se via um curtíssimo filme).
Foi o bastante para a Academia ser apressadinha. Há quatro anos, na cerimônia de 1991, comemorou precocemente "o centenário do cinema". A justificativa foi bem forçada. Em 24 de agosto de 1891, Thomas Edison entrou com os pedidos de patente de inventor do kinetoscópio, talvez o mais avançado precursor do cinematógrafo.
A festa do Oscar-91 passou por cima da complexa história que separa o kinestoscópio do cinematógrafo. A Academia louvou com justiça Eastman e Edison. Marotamente, esnoba agora todos os outros. Se a lenda é melhor que a história, Hollywood sempre optou pela lenda.

A Academia tenta redimir-se hoje de outra mancada. Um dos mais influentes cineastas de todos os tempos foi até aqui olimpicamente esquecido. Michelangelo Antonioni, o mestre de "A Aventura" (1960) e "A Noite" (1961), recebe aos 83 anos um prêmio especial pela carreira. A entrega será feita por Jack Nicholson, protagonista de seu subestimado "Profissão: Repórter" (1975).
É seu primeiro Oscar. O que explica a cegueira da Academia? Quatro diretores italianos receberam o Oscar antes de Antonioni: Vittorio De Sica, Federico Fellini, Elio Petri e Giuseppe Tornatore, todos vitoriosos na categoria de melhor filme de língua não-inglesa.
Fellini acumulou uma estante de Oscars. Ganhou quatro de filme estrangeiro e um especial, pouco antes de morrer. Fora indicado ainda mais quatro vezes como diretor. A expansividade clownesca e a tipologia melodramática de Fellini foram historicamente mais assimiláveis ao Oscar que o minimalismo claustrofóbico de Antonioni.
Por vezes, o Oscar torna-se esfinge. Mas, antes tarde do que nunca, Hollywood ovaciona Antonioni. E por falar nisso, quando lembrarão de Godard?

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