São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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O Ministério e o descalabro

DARCY RIBEIRO

O Ministério da Educação não é dado a criar coisas feitas e perfeitas. Quando propõe alguma inovação, a gente se assusta. Isso não foi o que aconteceu com a segunda versão da medida provisória que o governo mandou ao Congresso.
Surpreendentemente, ela propõe alterações substanciais em matéria de importância crucial, e o faz muitíssimo bem. Mata o velho e desmoralizado Conselho Nacional de Educação e institui outro em linhas novas, funcionais, sérias.
Primeiro que tudo, nos livra do perigo de ver aprovado o Conselho de Educação burocrático, medíocre e corporativo proposto no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Câmara.
Em lugar disso, o governo institui dois Conselhos setoriais: um para a educação superior, outro para a educação básica. Poderia até propor dois Ministérios —o da Ciência, da Cultura e da Educação Superior e outro do Ensino Básico. Mas já é muito bom o que nos dá, separando as duas áreas tão diferenciadas da educação e só ensejando um encontro anual dos dois conselhos.
Outra qualidade deles é que permitirão ao presidente e ao ministro da Educação nomear alguns educadores para compô-los, ou seja, vozes da infância e da juventude que sofrem o processo educacional, e do professorado que o exerce, em lugar de representantes de grupos de interesse.
Outra inovação extraordinária é a que organiza o governo da universidade, retirando a constituição das principais autoridades acadêmicas da disputa partidária e dos riscos do domínio dos funcionários e dos alunos.
A universidade, como útero em que se geram as classes dirigentes e os corpos eruditos de uma sociedade como expressões da civilização a que pertencem, é, por sua natureza, hierárquica e hierarquizadora, não admitindo demagogias e politiquices.
Por ruim que seja o professorado, é em suas mãos que tem de ser posta a eleição de reitores e diretores, escolhidos entre eles. Cabe ao estudante influir nesse processo, inclusive expressando suas preferências partidárias, sem pretender dirigi-lo.
Já os funcionários devem reivindicar é um forte sindicato que defenda seus direitos e interesses, armado de todo o poderio sindical e grevístico dos trabalhadores assalariados. O que rege hoje essa matéria é uma anarquia que ameaça liquidar nosso sistema universitário, já tão precário.
A inovação realmente revolucionária que a MP nos propõe é a instituição de um sistema de avaliação dos estabelecimentos de ensino superior. É notório que chegamos, nessa matéria, a uma desmoralização vexatória de faculdades organizadas como negócio, explorando o professorado e despelando os alunos e seus pais.
A situação é tão feia que costumo dizer que, na maior parte delas, funcionando principalmente à noite, os professores simulam ensinar e os alunos fazem de conta que aprendem. Persistir nessa situação calamitosa é suicídio, porque a qualificação do ensino superior é decisiva para o destino da nação.
A forma de avaliação que o governo propõe ao Congresso pode ser melhorada, mas é já um passo relevante no sentido de que os poderes públicos afinal assumam suas responsabilidades diante da sociedade, em face do descalabro de nossa educação superior.

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