São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Cobrança por dentro

MOZART DE OLIVEIRA JÚNIOR

Em artigo recente o ministro da Saúde, Adib Jatene, defende o fim da universalidade e da gratuidade na saúde, posição confirmada pela proposta de revisão constitucional encaminhada ao Congresso Nacional. A base da argumentação é que a insuficiência de recursos financeiros para custeá-la somente será superada em duas situações: aumento de recursos via aumento de impostos ou cobrança por fora. Discordamos do ministro em ambos os argumentos, apresentando alternativas e buscando, segundo suas próprias palavras, discutir com "honestidade intelectual".
A cobrança por fora não significa apenas o fim do atendimento universal e da gratuidade na área de saúde, mas a exclusão seletiva. Ao permitir que seja paga uma diferença por fora, quem não pode pagar deixará de ter acesso a estes serviços. A lógica é simples: como há insuficiência na oferta de serviços de saúde, quase tudo que existe passa a ser "especial", justificando a cobrança por fora.
Contudo, partindo da mesma assertiva do ministro, podemos elaborar outra pergunta: qual a melhor forma de cobrar de quem pode pagar para custear a saúde? Nossa posição é que este pagamento diferenciado não deve ser feito na hora que o usuário busca o serviço de saúde. Ao contrário, deve se dar na revisão da estrutura tributária, criando contribuições sociais para a saúde que sejam efetivamente progressivas.
Outras distorções persistem na área de saúde, como por exemplo: o desconto no Imposto de Renda e o investimento sem risco dos seguros saúde e congêneres. No primeiro caso, os contribuintes de maior poder aquisitivo abatem todas as suas despesas com saúde no imposto de renda. Ou seja, enquanto a grande maioria da população busca seu atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), quem tem maior poder aquisitivo escolhe o médico, o hospital, o dentista, o plano de saúde etc. Faz seu atendimento e depois debita esta despesa no imposto de renda.
No segundo caso, o seguro saúde cobra pela cobertura total ao segurado. Quando ele é atendido no setor privado o seguro paga ao prestador; quando é no setor público não. Deste modo, quase todo o atendimento de urgência e de alto custo fica para o SUS, que acaba subsidiando indiretamente estas empresas. Nossa proposta é que os seguros, e não os segurados, devem ressarcir o SUS por estes atendimentos.
Finalmente, defendemos que não é necessário aumentar impostos para custear a saúde. O problema, na verdade, é de prioridade real para o social. O trocadilho pode ser quantificado: dos R$ 320 bilhões previstos para serem arrecadados em 1995 (orçamento fiscal + seguridade social) a saúde fica com 3,4% (R$ 14,3 bilhões), enquanto a rolagem e pagamentos das dívidas externa e interna consumirá 64% deste total. Será que não é possível alongar o perfil de pagamento destas dívidas? Será que a única forma viável de equilibrar orçamento é cortar gastos sociais?
A ausência do presidente da República na reunião de Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social e a escandalosa MP 935, retirando ainda mais recursos da seguridade social, parecem apontar em outra direção.

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