São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Prioridades tecnológicas

RENATO M. E. SABBATINI

Em abril de 1992, o governo dos EUA divulgou uma lista de 22 áreas tecnológicas consideradas críticas para o seu progresso econômico e social. Essas áreas são: processamento de materiais, novos materiais de grau eletrônico, cerâmicas, materiais compostos, metais e ligas de alto desempenho, manufatura flexível integrada por computadores, equipamento de processamento inteligente, nano e microfabricação, administração de sistemas de informação, software, microeletrônica e optoeletrônica, redes de computadores e supercomputadores, técnicas de obtenção e exibição de imagens de alta definição, sensores e processamento de sinais, armazenamento de dados, simulação em computadores, biologia molecular aplicada, ambiente, medicina, transportes de superfície, aeronáutica e energia.
A lista chama a atenção em dois sentidos. Primeiro, pela grande participação da informática e das tecnologias digitais. Segundo, pela ausência de algumas áreas específicas que outros países (inclusive o Brasil) colocaram em suas prioridades, tais como a química fina e farmacêutica, a exploração espacial e a previsão e prevenção de desastres naturais (vulcanismo, terremotos e fenômenos meteorológicos).
Faltaram também as tecnologias de exploração submarina, que, na opinião de muitos especialistas, serão de enorme importância para a extensão dos recursos naturais e renováveis; bem como a produção de alimentos, uma área vital para o bem-estar e o progresso social. Embora pudéssemos supor que algumas das áreas negligenciadas pela lista do governo americano estão incluídas em outras (como o uso da engenharia genética para obtenção de novos alimentos), mesmo assim creio que elas mereceriam uma menção explícita.
Qualquer lista desse tipo corre o perigo de ficar obsoleta em alguns anos. Entretanto, os órgãos do governo brasileiro responsáveis pela política científica e tecnológica deveriam fazer suas listas de prioridades e alocar recursos preferenciais para elas. O PADCT (Plano de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tinha exatamente esse objetivo, mas, depois de um início auspicioso, acabou morrendo por inanição crônica de verbas.
Particularmente, fico muito impressionado com a ausência quase que total de algumas das linhas de desenvolvimento tecnológico mencionadas acima no cenário brasileiro. É o caso da nanofabricação, que é a tecnologia de projeto e fabricação de micromáquinas, usando métodos desenvolvidos para circuitos microeletrônicos. Outra é a robótica industrial, que praticamente morreu como linha de pesquisa no Brasil (as indústrias preferem importar robôs, ou simplesmente se aproveitar dos nossos vergonhosos níveis de remuneração obreira).
O que causa essas lacunas? Evidentemente, o número reduzido de grupos de pesquisa e a falta de verbas são fatores importantes. No entanto, o exemplo do Japão mostrou que, mesmo com poucos grupos ativos em uma determinada área, um esforço determinado do governo e das indústrias em apoiá-los sistematicamente e por longo tempo acaba dando resultados significativos.
Outro fator é o péssimo desempenho brasileiro no que diz respeito à importação de know-how através da formação de recursos humanos. A Coréia do Sul baseou boa parte de seu ímpeto atual nas áreas de alta tecnologia em um extenso programa, que enviou dezenas de milhares de coreanos para os países-líderes em tecnologia para aprenderem. O poderoso establishment científico paulista está mandando pouco menos de 500 ou 600 pesquisadores para o exterior, todo ano. É pouquíssimo. E, mesmo assim, os resultados deste investimento são muito pobres. A maioria dos pós-graduandos, ao voltar do exterior, 1) não encontra emprego; ou 2) se encontra, não consegue trabalhar com os conhecimentos que absorveu no exterior; ou 3) se consegue, fica isolado e logo perde produtividade e motivação. Isso, quando 4) não fica lá pelo exterior, mesmo.
Desde o governo Collor, tem-se feito muito alarde e demagogia a respeito da importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o futuro do Brasil. Foram anunciadas dezenas de programas de fomento na área federal, a grande maioria tendo resultado em rigorosamente nada. Manteve-se, quando muito, uma política de preservação do que já existia, para não assistirmos ao sucateamento científico quase que total nos laboratório, faculdades e institutos de pesquisa.
Se o governo federal realmente deseja investir seriamente e o longo prazo na recuperação do desenvolvimento científico e tecnológico nacional, é hora de colocar muito dinheiro onde está a boca e, principalmente, estabelecer programas prioritários consequentes e com garantia de continuidade. Sem dúvida, é importante alocar mais verbas aos programas de pesquisa já existentes, principalmente para os chamados centros de excelência e para os laboratórios participantes do programa de Entidades Associadas de Pesquisa, de iniciativa do MCT.
Mas não conseguiremos progredir de verdade se o governo e as empresas não começarem a incentivar o surgimento de áreas novas, inseridas estrategicamente no cenário de competitividade tecnológica mundial, como as citadas acima, algumas das quais são absolutamente vitais para o nosso desenvolvimento e soberania.

RENATO M.E. SABBATINI, 48, é professor de Informática Médica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultor da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e OMS (Organização Mundial da Saúde).

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